Rumo ao Sul.
Atravesso o tempo na orientação mágica
da bússola e da memória.
O meu regresso é uma fuga,
o meu destino é onde estou
e eu sou
o movimento.

Voltar é partir sem caminho novo;
uma odisseia de cegos,
uma peregrinação tonta,
sem a redenção da luz.
Há quem te avise contra os perigos
de te transportares para o ponto no espaço,
momento no tempo,
em que foste feliz;
mas ninguém sabe ao certo o que dizer
quando o que procuras é
o trilho certo
para viveres outra vez
as tuas íntimas misérias.

Rumo ao Sul.
A maré teima em afastar o estuário
do meu cálculo marinheiro.
Pressinto já, porém, o verde-grito do arrozal,
o apelo calado das águas do Sado
e adivinho, talvez, agora,
um verso do Bocage.

Só Deus sabe o que procuro ali, por trás da praia,
na profundidade esguia
da península.
Cumpro o meu regresso contra correntes e naufrágios
e montanhas e desgraças;
deixo-me castigar pelos ventos da viagem
e purificar pelas águas do mundo;
Sou vítima de todas as coordenadas
e carrasco de todos os mapas:
Ulisses fez-me companhia na perdição
e Eneias foi testemunha do tudo e do nada
na saga circular a que submeti
a existência.

Rumo ao Sul.
Não encontrei no caminho de ida mais do que distâncias,
Não encontrei no caminho de volta senão demoras.
Mas há um sinal, um marco, uma referência, um bom porto,
um túmulo que me guia
na tragédia escapista do meu percurso incivilizado,
trajecto simétrico de homem-pêndulo,
nómada de mim mesmo
com o sextante desarranjado,
sal grosso em terra fértil.

Há uma cruz, no fim da estrada, que é a minha Estrela do Norte.