Um dos problemas fundamentais da civilização, senão o principal obstáculo ao sucesso da sua prossecução, é a estupidez, e desde que Adão, estupidamente, foi na conversa da Eva – uma estúpida – as coisas começaram a correr mesmo muito mal. A questão central coloca-se quando pessoas inteligentes acham que nascemos todos iguais quando é por demais evidente que há uns que nascem mais estúpidos que outros. Estes últimos podem ser estupidificados no decurso da existência (por consumo abusivo do telejornal ou desperdício de euros no Expresso, por exemplo), para acabarem por morrer tão estúpidos como aqueles que já nasceram assim e por isso devemos aplicar princípios universais e equitativos aos estúpidos genéticos tanto como aos estúpidos culturais.
Podemos até aceitar o princípio de que todos somos iguais perante Deus, mas conviver com a ideia de que estúpidos e não estúpidos são iguais entre si é de uma estupidez imperdoável, com graves consequências sociais, económicas e políticas.
Neste sentido, o ContraCultura deixa um breve manual de normas para lidar com a estupidez humana, que não deve ser entendido como definitivo – precisamente por ser breve e porque a estupidez é uma espécie de vírus em constante mutação – mas que propõe um conjunto de medidas práticas e acessíveis a qualquer pessoa inteligente, de forma a melhor combater um dos mais devastadores flagelos da história universal.
I – Nunca subestime um estúpido. A estupidez é na verdade e lamentavelmente o grande motor do circo do mundo, e está na origem da maior parte dos mais catastróficos acidentes da história da humanidade. Se há um desastre, uma guerra, uma peste, uma praga, uma chacina, uma vergonha, uma desgraça qualquer, num dado momento do tempo, o evento tem grandes probabilidades de ser resultado da actividade imbecial de um estúpido que não sabe de todo o que está a fazer e isto leva-nos à segunda norma, que é:
II – Um estúpido nunca sabe o que está a fazer, pelo que deves retirar-lhe todas as competências autónomas. É triste e muito perigoso que as pessoas que não são estúpidas sejam preguiçosas, ou irresponsáveis, ao ponto de atribuir tarefas aos estúpidos, ou confiarem neles. Não se pode confiar no estúpido porque é impossível determinar quando é que ele vai fazer algo de néscio, sendo certo que o fará no pior momento possível.
III – Não tenha pena do estúpido. Um estúpido é um bruto e deve ser tratado adequadamente. Um dos erros mais frequentes das pessoas que não são estúpidas é o de se apiedarem dos estúpidos. E se podemos argumentar que os que nascem estúpidos não têm culpa de serem assim, aqueles que ficam broncos depois de terem nascido são directamente responsáveis por esse ganho em idiotia. Além disso, dentro dos que nascem estúpidos não há um só exemplo histórico de alguém que tenha deixado de o ser, pelo que aqui descortinamos o crime da impenitência: o estúpido é radical e convictamente estúpido e nunca vai procurar redenção. Acontece ainda que uma boa fatia dos seres humanos que sobrevivem à superfície deste planeta pertencem à classe dos estúpidos e não há na condição humana misericórdia que sobre para tanta gente. Os que não são estúpidos estão demasiado ocupados a solucionar os problemas que os estúpidos criam, pelo que, a propósito:
IV – Uma boa maneira de combater a estupidez é ignorar os estúpidos e as suas façanhas, a não ser que os estúpidos façam algo de tão profundamente parvo que aqueles que não sofrem de estupidez sejam forçados a intervir.
V – Tenha sempre em mente que a estupidez é imoral. Por norma, o estúpido é um moralista. Como o ignorante é arrogante da sua ignorância, o estúpido é vaidoso da sua estupidez. Tem opiniões éticas e julga que sabe fazer uso do senso comum. O estúpido, quando for grande, quer ser chefe de redacção, juiz de comarca ou burocrata em Bruxelas. Acontece que um estúpido, por definição, não tem legitimidade para tecer juízos morais ou impor mandatos sociais, nem autoridade para posições de princípio: não há nada mais imoral do que ser-se estúpido e assim,
VI – O estúpido deve permanecer calado e, se possível, quieto. Nunca por nunca dê o privilégio da palavra a um estúpido e, sendo que os seres afectados pela tolice crónica são geralmente hiperactivos, há que tentar condicioná-los a um perímetro-colete-de-forças. Se o estúpido fala, acabou-se a razão, se ao estúpido é dada rédea solta, o caos instala-se.
VII – O estúpido é avarento ou é ganancioso, não lhe dê troco. A cobiça, a inveja, a avarez e a ganância são traços personalísticos comuns aos estúpidos que são também, sem excepção, de uma mesquinhez teimosa e entediante. O melhor que há a fazer é evitar dar esmola a um estúpido, porque ele vai logo pensar estupidamente que o generoso doador fica assim obrigado a dar-lhe esmola até ao fim dos tempos. Simetricamente, não é nada boa ideia emprestar-lhe dinheiro, porque o estúpido pensa que o credor não precisa da guita e nunca mais lhe devolverá a quantia que com esforço foi reunida para o empréstimo. Outra iniciativa desaconselhável é fazer negócios com estúpidos. Nunca vão perceber os fundamentos da actividade económica nem vão produzir mais valias para o projecto, mas vão querer ser sempre os primeiros a receber os dividendos. Mais a mais, um estúpido procura invariavelmente a glória de enganar alguém que não é tão estúpido como ele. Acautele-se e não dê gorjeta à estupidez.
VIII – Nunca encoraje um estúpido. É por tratarmos os estúpidos como pessoas normais e fingirmos que os estúpidos têm virtudes e qualidades, que eles ganham ambições completamente irrealistas, dado o seu potencial abaixo de zero. Em última análise, este erro monumental leva à ascensão social e política dos estúpidos e ao flagelo social e funcional de termos estúpidos que são gestores de empresas, directores de jornais, ministros, presidentes da república e sumos pontífices.
IX – Se a ideia provém de um estúpido, não pode ser uma boa ideia. Ao contrário de um relógio parado, que está certo duas vezes por dia, um estúpido nunca consegue ser assertivo em momento algum e uma boa maneira de verificar o acerto de um projecto é a de saber se foi “pensado” ou subscrito por um estúpido. Nesse caso, há que abandonar rapidamente o conceito e começar do zero.
X – A estupidez é endémica e irradicável. Se o distanciamento social alguma vez fez sentido é como medida para evitar o contágio da estupidez. Guarde sempre uns bons 20 metros de distância sobre o estúpido e lembre-se que a estupidez não tem cura nem vacina nem são conhecidos casos de imunidade. Um indivíduo pode até ser inteligente como Isaac Newton, que será parvo chapado como Rebelo de Sousa num instantinho, se ceder ao humanitarismo para com os estúpidos.
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