O último relatório mensal sobre o défice orçamental dos EUA é chocante. Em várias dimensões.
As despesas públicas subiram 15% para 646 biliões de dólares, em junho, mais quase 100 biliões de dólares do que aqui há um ano, enquanto as receitas fiscais caíram 9,2%, de 461 biliões para 418 biliões, resultando numa queda nas receitas do governo em mais de 7,3%, a maior desde junho de 2020, quando os EUA estavam a absorver os prejuízos da pandemia e dos confinamentos. Nunca antes as receitas fiscais sofreram uma queda tão grande sem que os EUA entrassem em recessão.
Escusado será dizer que o aumento das despesas públicas, juntamente com a diminuição das receitas fiscais, significou que, em junho, o défice orçamental dos EUA quase triplicou, passando de 89 biliões de dólares há um ano para 228 biliões, muito mais do que a estimativa consensual de 175 biliões. Podemos apenas especular sobre que contas bancárias de oligarcas ucranianos estão actualmente a somar os benefícios desse inesperado aumento de 50 biliões de dólares no défice dos EUA: sabemos com certeza que o FBI nunca chegará ao fundo da questão, uma vez que nem sequer consegue descobrir quem despejou um monte de dinheiro nas contas da Família Biden.
E com os défices mensais a serem mais maiores do que o esperado e também muito mais elevados do que há um ano atrás, também não é de todo surpreendente que o prejuízo acumulado a 9 meses do ano fiscal já seja o terceiro mais volumoso de que há registo, ultrapassado apenas pelos anos de crise de 2020 e 2021: com 1,4 triliões de dólares, o défice fiscal de 2022 já aumentou 170% em comparação com o mesmo período do ano passado.
Estes números são chocantes, sim, mas nem por isso surpreendentes: apenas confirmam que os EUA estão num caminho cada vez mais rápido para o caos fiscal e financeiro, mas não antes que a Reserva Federal seja forçada a monetizar a dívida outra vez, imprimindo mais uns triliões de dólares e contribuindo acrescidamente para o contexto inflaccionário que a própria entidade está a tentar combater com o aumento brutal das taxas de juro. Surrrealista? Talvez. Mas há pior.
O único número que, para além de chocante, é completamente inesperado, está na página 9 do relatório, no quadro da Declaração Mensal do Tesouro, onde se constata que nos 9 meses do actual ano fiscal, os EUA já acumularam um recorde de 652 biliões de dólares em juros da dívida bruta.
Este número é em mais de 25% superior ao pagamento de juros no período comparável de há um ano, que ascendeu a 521 mil milhões de dólares.
A subida das taxas de juro, impulsionada pela Reserva Federal Americana – que entrou em pânico perante o seu épico fracasso emissório de 2020 e 2021, quando manteve as taxas a zero enquanto injectava biliões em várias bolhas de activos – tem sido o principal motor do défice. Os rendimentos do Tesouro a cinco anos são actualmente de cerca de 3,96%, contra 1,35% no início do ano passado. À medida que os títulos vencem, o Tesouro enfrenta aumentos constantes das taxas que paga sobre a dívida pendente: e mesmo quando a Reserva Federal começar a reduzir as taxas, devido ao atraso na renovação da dívida vencida, os pagamentos de juros efectivos continuarão a aumentar a médio prazo, pelo menos.
Para contextualizar, a média ponderada dos juros do total da dívida pendente no final de junho era de apenas 2,76%, um nível que não era ultrapassado desde janeiro de 2012, de acordo com o Tesouro americano. Este valor é superior aos 1,80% registados um ano antes, segundo os dados do departamento, e se a Reserva mantiver de facto as taxas “mais altas durante mais tempo”, a taxa mista da dívida ultrapassará os 4% dentro de um ano.
Isso seria um desastre apocalíptico para os EUA porque significaria que os pagamentos de juros sobre a dívida total dos EUA de 32,3 triliões de dólares atingiriam 1,3 triliões de dólares no prazo de 12 meses, tornando potencialmente os juros da dívida a maior despesa do governo dos EUA e ultrapassando até os gastos com a segurança social.
Mas nem sequer será preciso esperar que a explosão dos juros da dívida pública dos EUA se torne um importante ponto de discussão nas próximas eleições presidenciais norte-americanas. De acordo com a Reserva Federal de St. Louis e o BEA, o pagamento de juros pelo Governo Federal terá já ultrapassado, pela primeira vez na história dos EUA, os 900 biliões de dólares e, dentro de um trimestre, atingirão provavelmente mais de 1 trilião de dólares, um valor de referência que iniciará provavelmente a contagem decrescente para uma crise global dos mercados financeiros.
Uma das marionetas mais incompetentes da administração Biden (e há inúmeras), a Secretária do Tesouro, Janet Yellen, minimizou as preocupações com o aumento das taxas de juro. Em vez disso, elogiou as contra-medidas implementadas nos mercados financeiros depois da crise de 2007 e salientou que o rácio entre os pagamentos de juros e o PIB, depois de ajustado pela inflação, continua a ser historicamente baixo. O problema com o argumento de Yellen é que o PIB irá cair a pique após a próxima recessão, mas a dívida dos EUA nunca mais irá cair em termos absolutos ou relativos, como os técnicos do CBO têm tido a amabilidade de tornar claro até para anões intelectuais como a Secretária do Tesouro.
Num já paleolítico post do Blogville, datado de 2013 e dedicado, entre outros assuntos relacionados com a queda do império americano, à dívida federal dos EUA, escrevi:
O cenário de uma América falida é equivalente a um armagedão de primeira categoria. Os Estados Unidos continuam a ser o primeiro motor económico mundial e são também o primeiro devedor líquido, sendo que a dívida americana é já, por muitos, considerada incobrável, e dada a sua dimensão, se esta economia colapsar não há reserva federal, não há troika maluca, não há dinheiro no mundo que consiga tapar o buraco. E vamos todos cair nele, porque a economia mundial não resistiria à falência do seu primeiro agente.
Dez anos depois, o parágrafo permanece pertinente.
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