O pedaço de maxilar superior semelhante a um hominídeo encontrado em Nikiti, na Grécia.

 

O Homo sapiens está na Terra há 200.000 anos – mais ou menos uns dez mil anos. Grande parte desse tempo está envolto no nevoeiro da pré-história. O conhecimento sobre a evolução da humanidade foi reunido ao decifrar o registo fóssil através dos princípios da teoria da evolução. No entanto, novas descobertas têm o potencial de remodelar esse conhecimento e levar os cientistas a novas conclusões, anteriormente não consideradas.

Um conjunto de dentes com 8 milhões de anos pode ter feito exactamente isso. Os investigadores inspeccionaram recentemente os maxilares superior e inferior de um antigo macaco europeu. As suas conclusões sugerem que os antepassados da humanidade podem ter surgido na Europa antes de migrarem para África, o que põe em causa um consenso científico que se mantém desde os tempos de Darwin.

 

Repensar a história da origem da humanidade.

Segundo um artigo publicado na prestigiada New Scientist, os ossos da mandíbula de um hominídeo com 8 a 9 milhões de anos foram encontrados em Nikiti, no norte da Grécia, nos anos 90. Inicialmente, os cientistas consideraram que as mandíbulas pertenciam a um membro do Ouranopithecus, um género de macaco eurasiático extinto.

David Begun, antropólogo da Universidade de Toronto, e a sua equipa reexaminaram recentemente os ossos do maxilar. Argumentam que a identificação original estava incorrecta. Com base nos caninos e raízes pré-molares do fóssil, semelhantes aos dos hominídeos, identificam que o macaco pertence a um proto-hominídeo anteriormente desconhecido.

Os investigadores colocam a hipótese de estes proto-hominídeos serem os antepassados evolutivos de outro grande macaco europeu, o Graecopithecus, que a mesma equipa identificou como um hominídeo primitivo em 2017. O Graecopithecus viveu no sudeste da Europa há 7,2 milhões de anos. Se a premissa estiver correcta, estes hominídeos teriam migrado para África há 7 milhões de anos, depois de terem passado grande parte do seu desenvolvimento evolutivo na Europa.

Begun salienta que o sudeste da Europa também foi ocupado pelos antepassados de animais como a girafa e o rinoceronte.

“É consensual que esta foi a fauna fundadora da maior parte do que vemos hoje em África. Se os antílopes e as girafas conseguiram entrar em África há 7 milhões de anos, porque não os macacos?”

Recentemente, o antropólogo apresentou esta ideia numa conferência da Associação Americana de Antropólogos Físicos.

Vale a pena referir que Begun já apresentou hipóteses semelhantes anteriormente. Escrevendo para o Journal of Human Evolution em 2002, Begun e Elmar Heizmann, do Museu de História Natural de Estugarda, discutiram um fóssil de um grande macaco encontrado na Alemanha que, segundo eles, poderia ser o antepassado (em termos gerais) de todos os grandes macacos e humanos vivos. Num comunicado de Begun, lemos:

“Encontrado na Alemanha há 20 anos, este espécime tem cerca de 16,5 milhões de anos, cerca de 1,5 milhões de anos mais velho do que espécies semelhantes da África Oriental. Isto sugere que a linhagem dos grandes símios e dos humanos surgiu na Eurásia e não em África”.

 

Migrações ou evoluções em paralelo.

Na sua obra “A Descendência do Homem”, Charles Darwin propôs que os hominídeos descendiam de África. Considerando os relativamente poucos fósseis disponíveis na altura, é uma prova do génio de Darwin que a sua hipótese continua a ser a principal teoria contemporânea sobre e evolução da humanidade.

Desde a época de Darwin, foram descobertos muitos mais fósseis e novas provas no domínio da genética. Assim, a história da origem africana sofreu muitas actualizações e revisões desde 1871. Actualmente, dividiu-se em duas teorias: a teoria “Saída de África” e a teoria “Multi-regional”.

A teoria da saída de África sugere que o berço de toda a humanidade foi África. O Homo sapiens evoluiu exclusiva e recentemente nesse continente. Em algum momento da pré-história, os nossos antepassados migraram de África para a Eurásia e substituíram outras subespécies do género Homo, como os Neandertais. Esta é a teoria dominante entre os cientistas, e as provas actuais parecem apoiá-la melhor – no entanto, a tese é vivamente debatida em alguns círculos da comunidade científica.

A teoria multi-regional sugere que os seres humanos evoluíram em paralelo em várias regiões. De acordo com este modelo, os hominídeos Homo erectus deixaram África para se estabelecerem na Eurásia e (talvez) na Austrália. Estas populações díspares acabaram por evoluir para os seres humanos modernos.

É claro que há divergências de pormenor sobre os modelos e qualquer breve artigo sobre este assunto deixa muito por dizer. Há, por exemplo, um debate sobre se os fósseis do Homo erectus africano devem ser considerados juntamente com os asiáticos ou se devem ser classificados como uma subespécie diferente, o Homo ergaster.

Os defensores do modelo de “Saída de África” não têm a certeza se os humanos não africanos descendem de uma única migração oriunda deste continente ou de, pelo menos, duas grandes vagas de migração seguidas de um intenso processo de cruzamento genético.

 

Um maxilar não chega para certezas, mas coloca a dúvida.

Nem todos os antropólogos concordam com as conclusões de Begun e da sua equipa. Tal como refere a New Scientist, é possível que o macaco Nikiti não esteja de todo relacionado com os hominídeos. Pode ter desenvolvido características semelhantes de forma independente, desenvolvendo dentes para comer alimentos semelhantes ou mastigar como os primeiros hominídeos.

Em última análise, o macaco Nikiti, por si só, não oferece provas suficientes para derrubar o modelo de “Saída de África”, que é apoiado por um registo fóssil mais robusto e por provas de ADN. Mas podem ser descobertas provas adicionais que credibilizem a hipótese de Begun ou que nos levem a ideias ainda não consideradas sobre a evolução da humanidade.

E isso é sempre positivo para o avança do conhecimento que temos sobre nós próprios.