Evgeny Prigozhin, ex-patrão do ex-Grupo Wagner

 

Guerra civil. Golpe de estado. Rebelião armada. Durante 24 horas, a Rússia esteve no centro das atenções mundiais por causa de um levantamento ensaiado pelo Wagner Group, uma organização para-militar privada, ultra-nacionalista e até aqui fiel a Vladimir Putin, que foi decisiva na batalha de Bakhmut.  A intentona não chegou sequer a gastar cartuchos e no final toda a gente voltou pacificadamente para as respectivas casernas. Ficam os factos, as histerias e as teorias, num breve itinerário sobre os bizarros acontecimentos.

 

Golpe de estado na Rússia?

Já há uns meses largos (desde a batalha de Bakhmut, parar sermos exactos), que o Grupo Wagner, um verdadeiro exército privado russo, liderado por Evgeny Prigozhin, se posicionava como um contrapoder em relação à hierarquia estabelecida do regime. Na Sexta-feira ao fim da tarde as coisas ensandeceram e acontece um levantamento armado na Rússia. As forças do Gurpo Wagner tomaram a cidade de Rostov e, a acreditar em alguns relatórios, dirigiam-se para Moscovo. Convém salientar que de Rostov a Moscovo são 220 quilómetros. Mesmo uma unidade totalmente mecanizada demora horas cumprir a distância, se o fizer pelo auto-estrada, onde é um alvo facílimo para qualquer unidade da força aérea russa.

 

 

Nesta altura a web rebentava de desinformação e nem vale a pena falar do que a imprensa corporativa noticiou sobre o assunto, claro. Mas o inspector de armamentos e perito militar Scott Ritter, que está sempre muito bem informado, fornecia alguns factos que permaneceram fieis à realidade e previsões que se cumpriram nas horas imediatas.

– A tentativa de golpe de estado era real e séria e o Grupo Wagner tinha ao seu dispor cerca de 30.000 efectivos, bem armados e treinados.

– A situação poderia decorrer de uma guerra de galos ente Prigozhin e o Ministro da Defesa russo, a propósito de alegada corrupção deste último que terá contribuido para o enorme número de baixas sofridas pelo Grupo Wagner na batalha de Bakhmut.

– O movimento foi manipulado, muito provavelmente, pelos serviços secretos britânicos. Não é segredo para ninguém que o bloco ocidental tem como objectivo último a queda de Vladimir Putin e do seu regime.

– Vladimir Putin deu ordem para que a revolta fosse esmagada, e carta verde para que fossem usados todos os meios necessários. Tropas de elite tchetchenas foram destacadas para o efeito.

– Circulavam relatos de que forças militares leais ao regime estavam a ocupar pontos estratégicos em Moscovo e Rostov.

– Os rebeldes não pareciam, à altura, recolher apoio popular. Ou das forças armadas russas. Sem essa aderência, o movimento seria extinto rapidamente.

– Sem mencionar a figura de Evgeny Prigozhi, Valdimir Putin falou na Sexta-Feira à noite à nação, acusando os amotinados de traição à pátria e prometendo que tudo faria para restabelecer a ordem, recordando o episódio histórico de 1917, quando a rebelião contra o regime dos czares começou precisamente nas trincheiras do exército russo, situação que conduziu a uma guerra civil e que teve como resultado, dois anos depois, o triunfo dos bolcheviques.

– Ao contrário de relatórios que circulam nos media, Putin não tinha fugido para S. Petersburgo e permanecia em Moscovo.

 

 

Com efeito, sem apoio popular e de sectores das forças armadas russas, que acabou por não se registar, seria sempre difícil a Evgeny Prigozhin levar a sua tresloucada iniciativa a bom termo. Por esta altura, nem era disparatado projectar que o líder do Grupo Wagner escaparia para o Ocidente assim que as coisas começassem a correr mal, apesar de se saber que Prigozhin é um nacionalista radical. Mas considerando o intenso nível de psyops a que assistimos desde que a guerra na Ucrânia começou, não surpreenderia aqueles mais atentos que esta operação fosse desencadeada apenas com a intenção de distrair as atenções sobre o falhanço da ofensiva ucraniana, desgastar animicamente o regime de Putin e denegrir a sua imagem a nível internacional.

 

Outra versão dos acontecimentos.

Porque nestas alturas de caos informacional há que saber ouvir mais que uma narrativa, este é um relatório de uma fonte relativamente fidedigna e independente que contraria algumas das afirmações que foram feitas por Ritter. Seja como for e como o próprio autor do post adverte, as notícias que circulavam sobre o que estava a acontecer na Rússia deviam ser ponderadas no contexto confuso da situação no terreno físico, tanto como no mediático.

 

 

Parecia porém muito improvável que Putin tivesse saído de Moscovo. E que este golpe tivesse alguma probabilidade de ser bem sucedido. Embora no Sábado à tarde ninguém soubesse bem qual a natureza dos apoios, se alguns, que o Grupo Wagner podia ter recolhido para desencadear a insurreição.

 

Mais ruído.

Ao cair da tarde, enquanto circulavam rumores de que as forças do Wagner estavam a chegar a Moscovo, de pânico no Kremlin e até da suposta fuga do presidente bielorusso Alexander Lukashenko, as redes sociais debitavam com igual constância imagens das forças tchetchenas de elite de Kadyrov estavam já nas imediações de Rostov e que o combate estava iminente.

 

 

O Golpe que não foi.

De repente, ao cair a tarde de sábado, dá-se o golpe de teatro. O “fugido” Lukashenko foi oferecer a Yevgeny Prigozhin uma proposta que o patrão do Wagner não viu razão para recusar. A rebelião era suspensa. A soldadesca pública e privada pode voltar para as respectivas casernas. A situação na Rússia voltava à normalidade com uma velocidade vertiginosa.

 

 

Dada a celeridade com que a aparentemente explosiva situação foi resolvida, os rumores de que tudo mais não era que uma psyop russa começaram imediatamente a a ganhar tracção, embora fique por explicar o que o Kremlin tem a ganhar com este episódio de carácter quase anedótico.

 

 

Teorias após o facto.

No epílogo, Prigozhin foi perdoado pela justiça russa, que retirou todas as acusações criminais que recaiam sobre o seu subversivo comportamento, e transportado para a Biolorússia, onde será uma espécie de refugiado VIP. As tropas revoltadas serão recrutadas pelas forças armadas russas, que confiscaram para seu uso as instalações do Grupo Wagner.

Muitos entreteram o tédio domingueiro a especular sobre a natureza real dos acontecimentos. A teoria de que Yevgeny Prigozhin sofre de stress pós-traumático, e que a isso se deve o seu comportamento alucinado, não é completamente destituída de pertinência.

Prigozhin nunca cumpriu serviço militar. É um bilionário miliciano.

O Grupo Wagner foi decisivo na batalha de Bakhmut, talvez a maior confrontação militar desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Nesses combates pereceram cerca de 100.000 soldados russos (números ucranianos) e 20.000 soldados ucranianos (números russos). O Grupo Wagner perdeu cerca de 10.000 efectivos. O espectáculo de horror e morte pode ter afectado mental e emocionalmente o líder da milícia privada, que na verdade nunca tinha tido uma experiência de guerra aberta.

É uma teoria, claro. Mas faz algum sentido.

 

 

Uma outra tese, se bem que bastante mais rebuscada, é esta:

 

 

Teorias à parte, há muita coisa que não bate certo nesta rábula do golpe de estado que não foi. E excessivo ruído para podermos tomar o pulso à verdade. Este será aliás um daqueles epifenómenos que provavelmente nunca serão totalmente esclarecidos. Até porque aqui entre nós: são russos e eles que se entendam.