A partir de agora, chamar porco a alguém é um insulto racista. Nomeadamente, se o sujeito a que o insulto se refere não for branco, até porque toda a gente sabe que os brancos são todos uns porcos, enquanto entre todos aqueles que não são brancos é de grande improbabilidade estatística encontrar alguém que tenha uma só proteína de ADN suíno. Tratam-se aqui de evidências científicas, sólidos conhecimentos históricos, verdades universais e axiomáticas.
E o primeiro-ministro deseja avisar os servos da Terceira República que em democracia não é admissível transcender essas evidências, esses conhecimentos, essas verdades. Ao invés, e dentro da mesma razão moral, é perfeitamente admissível – é até recomendável – que desgraçados como Passos Coelho, André Ventura ou Cavaco Silva sejam comparados a cerdos esclavagistas, símios nazis ou baratas mumificadas, todos eles portanto muito abaixo da dignidade porquina:
Afinal, não só são brancos como são brancos de ‘extrema-direita’, que é uma espécie de sub-sapiens que os iminentes académicos da nova eugenia das Nações Unidas e da União Europeia e da Casa Branca e do World Economic Forum e do Bilderberg Group e do nº 10 de Downing Street estão a trabalhar para erradicar de vez. E toda esta gente tão sábia, endinheirada e poderosa não pode estar errada, certo?
Mais tarde ou mais cedo, deixaremos de poder qualificar um político não branco com militância de extrema-esquerda, esquerda e centro esquerda com qualquer adjectivo que não seja racista, principalmente se incluir analogias animalescas. Um ministro de assinalável envergadura e origem nigeriana nunca poderá ser “alto como uma girafa”. Um deputado especialmente tagarela cuja família é natural de Macau não pode “papaguear” a sua agenda. O irascível apparatchik do Largo do Rato, de etnia Sikh, nunca por nunca será “raivoso” por causa da incidência semântica do termo, que indexa a uma patologia canídea. E por muito que obedeça cegamente aos poderes instituídos – e à mesquita do Casal de S. Brás – do candidato muçulmano à Câmara Municipal da Amadora nunca poderemos dizer que “é um boi”.
Para já é o porco que ganhou características raciais. Mas todos os animais de Deus esperam ansiosamente, e com boas razões, pela mesma promoção. Cobras e lagartos, lebres e tartarugas, cãos e gatos, macacos nos seus galhos, velhos dinossauros, sapos engolidos – e regurgitados, crocodilos lacrimejantes, vacas que tossem ou não, burros que não aprendem línguas: qualquer expressão idiomática de natureza zoológica que seja aplicada à vida política traz agora as sérias consequências da inadmissibilidade regimental.
E quem é que decide o que é admissível (que André Ventura é objectivamente uma animal abaixo de porco), e o que é inadmissivel (que António Costa tem traços faciais que satiricamente podem ser representados como as de um suíno)? António Costa decide. E a imprensa confirma. Por todos nós.
António Costa tem poder sobre as palavras que dizemos, as correlações que com elas criamos, as nuances críticas que equacionamos, o humor e a sátira que produzimos, as analogias e as metáforas que nos são permitidas. António Costa manda. Afinal, não é branco e é primeiro-ministro, eleito com os votos de uns bons 17% da população portuguesa em idade de votar. É assim plenipotenciário sobre a sintaxe e a semântica dos portugueses. É o senhor absoluto da selva dos significados. Uma espécie de Rei Leão da Terceira República.
Ups.
Relacionados
22 Abr 25
A morte de Bergoglio: o que virá agora?
A Igreja já é, claramente, governada por quem a odeia e o maior inimigo da cristandade não são os que a combatem, mas os que a compõem. E quem será o 'Papa Negro' que se segue? Uma crónica de Walter Biancardine.
18 Abr 25
Democracia: entre o ideal e a ilusão.
É necessário reconsiderar o significado de viver numa democracia. Não basta cumprir formalidades ou organizar eleições periódicas; a verdadeira cultura democrática exige justiça e cidadania. Uma crónica de Francisco Henriques da Silva.
17 Abr 25
A minha pátria é Jesus Cristo.
Não há no Ocidente contemporâneo motivos válidos para o amor à pátria, essa mãe por todo o lado inveterada. Ao contrário, o que não faltam são triunfos morais e argumentos irredutíveis em favor da humanidade e do bem supremo, nos ensinamentos de um apátrida.
16 Abr 25
A escuridão cedeu lugar à Luz Eterna.
Longe do nosso alcance, para além da carne e da lógica, brilha uma luz infinita, altiva, insuportavelmente bela. Fonte de toda claridade. Luz das luzes. Uma oração de Paulo H. Santos.
15 Abr 25
A Europa cansou de si mesma.
Há algo de profundamente constrangedor em assistir ao suicídio cerimonial, espécie de eutanásia ideológica, de uma civilização que já foi o pináculo do espírito humano. Uma crónica de Marcos Paulo Candeloro.
14 Abr 25
Donald Trump dedica-se à ficção científica.
Talvez sob o efeito de drogas alucinogénicas, Trump afirmou na semana passada que os EUA têm armas tão poderosas que ninguém faz sequer ideia do seu poder. Nada mau para um país que não conseguiu sequer derrotar os talibãs no Afeganistão.