O livro de Raymond Ibrahim, “Defenders of the West”, argumenta assertivamente que as acções heróicas de alguns grandes cruzados salvaram o Ocidente da conquista muçulmana.

Poucos momentos da História são tão mal compreendidos e revistos como as Cruzadas. Esta série de confrontos violentos entre as culturas cristã e muçulmana, que se estendeu por três continentes e quase um milénio, tem sido caracterizada como uma guerra de agressão fútil e da exclusiva responsabilidade dos europeus. Segundo a maior parte dos historiadores modernos, os cristãos beligerantes, gananciosos e racistas da Europa Ocidental eram periodicamente guiados por um teocrata sanguinário em Roma de forma a canalizarem as suas energias selvagens para atacar uma fé rival, na crença ilusória de que isso lhes garantiria a entrada no céu, se não mesmo um reino terreno para governar. O resultado foi pouco mais do que uma matança inútil de ambos os lados.

Quase tudo isto é falso. As Cruzadas foram guerras de defesa, com os cristãos a tentarem expulsar invasores muçulmanos estrangeiros em terras que eram anteriormente cristãs, e sagradas. Longe de serem selvagens ignorantes, os cruzados eram uma força altamente organizada que ultrapassou os limites do que era possível em termos de guerra, governo e prática religiosa (talvez o melhor exemplo da sua sofisticação cultural, espiritual, bélica e organizacional se encontre nos Templários). O grande sacrifício pessoal dos cruzados, juntamente com os seus argumentos morais contra o uso da violência, refutam a ideia de que o fizeram para benefício pessoal.

Em contrapartida, os invasores muçulmanos lucraram imenso com as suas conquistas. Essencialmente, apropriaram-se da riqueza preexistente dos seus adversários. Sujeitaram as pessoas dessas áreas à escravatura em massa, à perseguição regular e a impostos incapacitantes – tudo isto sancionado pelos seus clérigos e por interpretações radicais do Alcorão. E quase todas as suas vitórias militares foram atribuídas à força dos números e à disfunção dos seus oponentes e não a uma estratégia, logística ou tecnologia superiores.

Infelizmente, são poucos os historiadores que arriscam a ruína profissional desafiando a narrativa dominante nas academias para contar a verdadeira história das Cruzadas. No entanto, para seu grande crédito, Raymond Ibrahim rejeita tais preocupações e oferece perfis fascinantes de oito grandes heróis das Cruzadas no seu mais recente livro, “Defenders of the West: The Christian Heroes Who Stood Against Islam“.

Como linguista árabe e perito em história e teologia islâmicas, o autor é capaz de recorrer a fontes primárias de ambos os lados do conflito para fazer um relato mais objectivo e imparcial das Cruzadas. Mais importante ainda, faz questão de dar prioridade ao leitor e de contar uma história. Na sua introdução, concorda plenamente com a tese de Carlyle de que a história é “apenas a biografia dos grandes homens”. Enquanto a maioria dos historiadores modernos tende a atribuir os desenvolvimentos do passado a forças impessoais (tese que é conhecida como “historicismo”), Ibrahim reconhece e celebra os feitos de indivíduos heróicos e o impacto que têm no mundo. Ao fazê-lo, mostra que estes homens não só foram importantes para o seu tempo, como podem – e devem – servir de modelo para os tempos decadentes e erráticos que vivemos neste século.

 

A guerra pela Terra Santa.

Embora Ibrahim organize os capítulos cronologicamente, as suas biografias funcionam melhor como enquadramento de três conflitos regionais diferentes: a guerra pela Terra Santa e Bizâncio, a Reconquista em Espanha e a defesa dos Balcãs contra os turcos otomanos. Como Ibrahim relata, cada guerra teve a sua quota-parte de sucessos e fracassos para o Ocidente, mas muito disso dependeu da liderança e da unidade dos reinos cristãos. Quando os líderes eram fortes e a unidade existia, as vitórias eram duradouras (como em Espanha); quando os líderes eram fortes, mas a unidade não existia, as vitórias eram de curta duração (como na Terra Santa e nos Balcãs).

A guerra pela Terra Santa e o Bizâncio apresenta a melhor visão global das Cruzadas. Enquanto os primeiros cruzados reconquistaram muitos dos reinos ao longo do Mediterrâneo Oriental, os cruzados dos séculos seguintes dedicaram a maior parte dos seus recursos a proteger esses reinos e a estabelecer postos avançados para facilitar as linhas de abastecimento. Por fim, estes territórios acabaram por se perder, uma vez que os líderes ocidentais perderam o interesse pelas cruzadas.

No primeiro grupo encontrava-se Godofredo de Bulhão, um nobre que era “forte sem comparação, com membros sólidos e peito robusto”, de acordo com Guilherme de Tiro. Além disso, era extremamente religioso, rezando e jejuando frequentemente antes das batalhas. Ambas as qualidades revelaram-se necessárias quando Godofredo se deparou com um tipo de inimigo completamente diferente, que não tinha escrúpulos em assassinar e torturar inocentes e em utilizar tácticas de terror para intimidar os seus adversários. Apesar disso, Godofredo e os outros cruzados conseguiram reconquistar Antioquia e outras fortalezas, enquanto marchavam em direcção a Jerusalém.

Nessa altura, estavam exaustos, esfomeados e a morrer de sede. A isto juntavam-se as notícias das atrocidades muçulmanas sobre cristãos, em que os homenseram massacrados e as mulheres e as crianças eram brutalmente violadas e vendidas como escravas. Estas tácticas impediram eficazmente que populações cristãs ajudassem os cruzados, que se viram forçados a depender dos seus impotentes aliados bizantinos e de frágeis linhas de abastecimento que se estendiam por muitos quilómetros. Por fim, Godofredo ordenou a construção de uma torre de cerco e escalou as muralhas de Jerusalém. O resultado da frustração prolongada e das atrocidades contínuas foi o famoso massacre sangrento de todos os habitantes da cidade: “a carnificina foi tão horrível que, uma vez passado o frenesim da batalha, até os vencedores experimentaram sensações de horror e aversão”.

Infelizmente, e como em inúmeras situações históricas, mostrar misericórdia não era um luxo acessível aos cruzados, se quisessem ser bem sucedidos.

Em nenhum outro lugar esta lição foi melhor demonstrada do que nos dois reis que tentaram dar continuidade às primeiras vitórias de Godofredo, um século mais tarde, Ricardo Coração de Leão de Inglaterra e Luís IX de França. Demonstrando uma dureza e inteligência espantosas, o Rei Ricardo fez jus ao apelido de Coração de Leão. Batalha após batalha, Ricardo recuperou e reforçou os reinos dos cruzados ao longo da costa e conquistou o Chipre, que era então governado por um renegado bizantino.

A maior parte do sucesso de Ricardo pode ser atribuída a uma abordagem realista da guerra, compreendendo a dinâmica da negociação e da esfera de influência, ultrapassando até nessas áreas o famoso (e excepcionalmente dúbio) Saladino: “Ricardo fez marchar cerca de vinte e seiscentos cativos muçulmanos para o exterior, à vista de Saladino, e ordenou a sua execução.” A verdade é que se acções brutais como estas não tivessem sido tomadas, Ricardo teria sucumbido rapidamente às forças inimigas ou teria recuado mais cedo, tal como o seu velho amigo, o rei Filipe Augusto de França.

Em contraste com os feitos de Ricardo, o rei Luís IX (S. Luís) foi um “herói trágico” das Cruzadas, mostrando uma promessa espantosa e tendo as melhores intenções, mas sofrendo contínuos reveses durante a sua campanha no Norte de África. Ao contrário de Ricardo, um gigante que impunha a sua autoridade através do exemplo e da astúcia, Luís era espiritual e fisicamente débil. Embora gozasse do respeito do seu povo e dos seus pares, teve dificuldades mobilizar as suas forças em momentos críticos dos combates, o que levou a uma série de emboscadas que causaram pesadas perdas. O seu exército foi enfraquecido pela peste, uma vez que o inimigo envenenou poços e entupiu o rio com cadáveres em decomposição. Teve ainda o azar de lutar contra o líder mameluco Baibars, um governante ainda mais cruel e ambíguo do que Saladino.

Por fim, o próprio Luís foi levado em cativeiro, mas suportou corajosamente os insultos e as torturas antes de ser resgatado. No final, Luís morreu de doença na sua segunda cruzada e, com ele, morreu o movimento cruzado. Entretanto, os invasores muçulmanos reconquistaram o que tinha sido conquistado pelos cruzados e infligiram perseguições terríveis à população cristã.

 

De Cid a Drácula: movimentos de reconquista.

Nos perfis de El Cid (Rodrigo Diaz) e do rei Fernando III, Ibrahim consegue contar uma história mais feliz sobre a Reconquista. Tendo em conta as incríveis adversidades que enfrentaram depois de terem sido forçados a ficar num canto da Península Ibérica, cada um dos cruzados espanhóis merece um capítulo pelas suas contribuições. Entre 712 e 1492 d.C., o minúsculo reino cristão das Astúrias, que albergava apenas algumas centenas de refugiados cristãos, espalhar-se-ia para reconquistar toda a Espanha e expulsar os mouros ocupantes.

Como Ibrahim demonstra nas suas biografias de El Cid (1043-1099) e do rei Fernando III (1200-1252), houve alguns factores que conduziram a esta conquista. Um deles foi a liderança superior e a destreza dos líderes cristãos, demonstrada tanto por El Cid como pelo rei Fernando (também um santo), que abriram severas brechas nas hordas de exércitos mouros e orquestraram cercos extensos às fortalezas inimigas.

Outro factor decorre da circustância de os reis cristãos serem geralmente unificados na sua missão, enquanto os mouros eram frequentemente desorganizados, complacentes e, por isso, vulneráveis. E, em terceiro lugar, os espanhóis compreenderam a futilidade de permitir que uma religião inimiga vivesse entre o seu povo. Enquanto El Cid e muitos outros permitiam que os residentes muçulmanos praticassem a sua fé, Fernando obrigou-os a partir porque “por mais indulgente que um governante cristão fosse com os seus súbditos mouros, e por mais dóceis que estes parecessem, sempre que surgia a oportunidade, os muçulmanos revoltavam-se imediatamente”. Isto ajudou Fernando a solidificar as vitórias dos anteriores cruzados espanhóis, reconquistando a maior parte de Espanha e neutralizando possíveis insurreições.

Talvez os capítulos mais interessantes do livro digam respeito aos cruzados dos Balcãs que resistiram aos turcos otomanos entre o final do século XIV e o final do século XV. Numa tarefa ingrata que lhes valeu a infâmia dos seus contemporâneos e de historiadores posteriores, estes heróis enfrentaram probabilidades ainda mais remotas do que os primeiros cruzados.

Ibrahim começa pelo rei húngaro João Hunyadi, que contraria a obrigatoriedade de pagar tributo aos turcos otomanos e, em vez disso, lança uma campanha de guerrilha contra os gigantescos exércitos do sultão Murad. Foi um dos primeiros líderes a mostrar a fraqueza dos turcos, que nunca até aí tinham sentido a necessidade de defender o seu território nativo: “Tanto os cristãos como os muçulmanos ficaram especialmente impressionados com o facto de Hunyadi, em vez de assumir uma posição defensiva, estava a tomar a ofensiva, atravessando rios e montanhas para enfrentar os turcos nos seus próprios domínios.”

Apesar do sucesso de Hunyadi, poucos outros reis ou nobres seguiram o seu exemplo. Pelo contrário, os governantes da Europa Ocidental estavam preocupados com outros assuntos mais interessantes para si próprios. Apenas a cidade-estado de Veneza se envolveu na contenda – e ajudou os turcos otomanos quase tanto como os combateu. As outras excepções a esta indiferença geral foram os dois homens sobre os quais Ibrahim escreve nos capítulos seguintes: George Kastrioti (a quem os turcos chamavam “Skanderbeg” ou “Lorde Alexandre – como Alexandre, o Grande da Macedónia”) e Vlad Drácula III (a quem os nobres rivais chamavam vampiro).

Ambos estiveram cativos dos turcos durante vários anos, ambos tinham razões pessoais para libertar os seus reinos e um profundo conhecimento da forma como os turcos actuavam. Tal como Hunyadi, Skanderbeg e Drácula transformaram o seu pequeno número numa força, destruindo exércitos turcos grandes e mal organizados. Enquanto Skanderbeg tinha sido treinado como janízaro (tropas de elite dos turcos), o que o ajudou a liderar as suas forças de forma eficiente e eficaz  (como aconteceu com Átila, muitos séculos antes, que tinha sido treinado pelos romanos), Drácula fez uso infame da empalação (daí o nome Vlad, o Empalador) e de ataques nocturnos. Ambos os homens foram capazes de virar o jogo contra os seus inimigos e impedir com êxito o avanço turco na Europa.

 

Em defesa da melhor das alternativas.

Para alguns leitores, a maior força de “Defenders of the West” pode parecer a sua maior desvantagem: as descrições gráficas de Ibrahim e a clara antipatia pelas civilizações muçulmanas. Mesmo que a maior parte destes pormenores macabros provenha das fontes que Ibrahim utiliza, é evidente que ele quer atribuir aos mouros, aos turcos e a várias dinastias árabes uma imagem pouco lisonjeira – e, como se as descrições não bastassem, estabelece mais do que alguns paralelismos entre eles e os terroristas muçulmanos actuais.

No entanto, a violência das cruas descrições dão um contexto importante que ajuda a explicar as medidas também extremas adoptadas pelos cruzados, em particular por Drácula. Este facto pode ser desagradável para os leitores que preferem uma abordagem mais higienizada e equívoca da história, mas essa seria uma estratégia enganadora. Até porque, como o ContraCultura não se cansa de alertar, é profundamente errado submetermos aos critérios morais contemporâneos, que decorrem de uma vida confortável, pacífica e urbana, os líderes de tempos e circunstâncias que são completamente diferentes. Entre Ricardo Coração de Leão e o actual Carlos III há anos luz de diferença. São mutuamente extraterrestres. E dificilmente este último será moralmente mais capacitado do que o Rei Cruzado, como é claro para qualquer pessoa que tenha consciência da história, tanto como da actualidade.

Ainda assim, em termos do que significou para a civilização ocidental, Ibrahim prova que as Cruzadas não só foram necessárias como, em última análise, morais e justificadas. Por muito feias que tenham sido, a alternativa da rendição e da submissão teria sido muito pior.