Em vez de negar o envolvimento e encorajar a escalada de tensões, Biden precisa de reconhecer que um ataque à capital de uma potência nuclear é um convite à Terceira Guerra Mundial.
Para Washington, foi apenas mais um dia na guerra que se tornou o foco principal da política externa e de defesa americana. Mas o dia 3 de Maio evocou a natureza potencialmente catastrófica do aberto envolvimento dos EUA na Ucrânia.
Como o The New York Times foi forçado a admitir, o ataque de drones ao Kremlin, o edifício histórico que é o centro do poder na Rússia e onde trabalha o Presidente Vladimir Putin, foi “real”. Muitas pessoas testemunharam as duas explosões sobre o famoso complexo fortificado que data do século XIV e cujas icónicas muralhas e torre sineira têm mais de 500 anos. Mas, segundo o Times, “o resto é nebuloso”.
O NYT estava ansioso por reforçar as negações da administração Biden de envolvimento no incidente, apesar das furiosas alegações russas de que os Estados Unidos tinham “mandatado” ataques dentro do seu país. E se a alegação é de que a Casa Branca ou o Pentágono são directamente responsáveis por disparar mísseis contra a capital de uma potência nuclear, é provável que o pasquim nova iorquino possa, excepcionalmente, ter alguma razão. Nem mesmo o Presidente Joe Biden faria algo tão manifestamente insano como isso.
Ou faria?
Como confirmaram os documentos que vazaram do Pentágono no mês passado, os serviços secretos dos EUA estão envolvidos até ao pescoço no esforço de guerra da Ucrânia. De facto, há um ano atrás, o Times já relatava que os militares americanos estavam a fornecer “informações em tempo real sobre o campo de batalha” aos ucranianos, incluindo esforços para os ajudar a matar generais russos. E como também já sabemos que a Ucrânia está disposta a operar dentro da Rússia para assassinar figuras associadas ao regime de Putin, não é assim tão difícil para Moscovo ligar Washington ao ataque ao Kremlin.
No fim da semana passada, Larry Johnson afirmou que a decisão de lançar o ataque foi tomada pela administração Biden porque “as decisões sobre tais ataques não são tomadas em Kiev, mas em Washington”. Quer queiramos quer não, o argumento do ex-agente da CIA faz sentido. É difícil conceber que Zelenski ataque directamente o Kremlin sem conhecimento e autorização dos americanos.
No entanto, os meios de comunicação corporativos tentaram turvar as águas sobre o incidente, afirmando que talvez se tratasse de uma operação de falsa bandeira conduzida pelos russos ou do trabalho de agentes desonestos que poderiam estar ao serviço de qualquer um dos lados da guerra.
Isso também é possível. Mas, tal como as absurdas afirmações repetidas incessantemente pela administração americana e pelos seus activistas da imprensa de que os russos teriam feito explodir o seu próprio gasoduto no Báltico, que acabaram por ser completamente desacreditadas, a hipótese não é lá muito plausível.
Por muito que os assessores de Putin estejam a fazer tudo para demonizar os ucranianos e transmitir um sentimento de alarme ao povo russo, a ideia de que o Kremlin alinharia numa tal demonstração de fraqueza é demonstrar completa ignorância sobre a mentalidade do seu regime. A explicação mais razoável é que os ucranianos estavam a tentar embaraçar Putin na véspera da parada militar anual de Moscovo, que celebra a vitória na Segunda Guerra Mundial. E que Washington foi pelo menos tolerante com tal acção.
Sensatez, precisa-se. Com urgência.
No entanto, tal como os falsos alarmes sobre o ataque da Rússia a alvos na Polónia no ano passado, que se revelaram ser mísseis ucranianos que caíram numa quinta e mataram duas pessoas, este é mais um alerta para Washington de que está a brincar com o fogo. Numa altura em que os Estados Unidos deveriam estar a fazer tudo o que está ao seu alcance para pôr fim a uma guerra sangrenta, este ataque só serviu para intensificar as tensões que na verdade já estão a um nível insustentável.
É urgente reconhecer que continuar uma guerra que está a ser travada para reafirmar a soberania ucraniana sobre cada centímetro de território que controlava em 2014 não tem nada a ver com os interesses nacionais dos Estados Unidos e da Europa ou com o bem-estar das pessoas em qualquer um dos países que estão a combater. E o slogan de que a guerra se trava para defender a democracia é aberrante. A Ucrânia está para a democracia como Joe Biden para a lucidez.
Mais ainda, quanto mais tempo esta loucura durar, mais provável é que aconteça algo que possa envolver formalmente os EUA em combate contra a Rússia. Os americanos têm forças especiais, militares e de inteligência a operar na Ucrânia. O que é que acontece quando algum desses efectivos for capturado por forças russas? Fazer tudo para evitar o início de um confronto nuclear deveria ser a prioridade de uma liderança sensata. Mas não é isso que estamos a observar em Washington.
Biden e o líder da minoria republicana no senado, o animal do pântano Mitch McConnell, concordam que apoiar a Ucrânia “até ao fim” é a “coisa mais importante que está a acontecer no mundo”. O ramo do Partido Republicano do unipartidarismo de Washington alinha-se alegremente para gastar mais de 100 mil milhões de dólares em apoio aos ucranianos. E parece haver uma maioria bipartidária a favor de autorizar Biden a continuar a gastar esse montante numa base anual, durante “o tempo que for preciso”, para que a Ucrânia “ganhe” a guerra. No entanto, ninguém em nenhum dos partidos parece ser capaz de definir o que seria exactamente a vitória sobre uma potência nuclear, para além de fantasias sobre a deposição de Putin que poderiam levar a um resultado ainda pior.
O Ocidente tem de actuar para acabar com os combates.
Mal ou bem (o Contra não tem simpatias pelo regime Zelensky e responsabiliza em boa parte a NATO pela iniciativa bélica de Vladimir Putin), os ucranianos ganharam a guerra da opinião pública quando impediram a invasão russa do seu país. Mas, à medida que os combates no leste da Ucrânia, em áreas em que a população russa é maioritária, se transformaram numa guerra de trincheiras, o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky foi sendo fortalecido com um cheque em branco de Washington. A continuação da guerra é culpa de ambos os lados, mas o Ocidente deveria estar a tomar medidas para acabar com os combates. Mais um ano de guerra só vai provocar mais baixas e aumentar o preço da reconstrução do país – que toda a gente sabe que será paga pelos contribuintes americanos e europeus – quando os dois lados chegarem a um compromisso que ponha fim à guerra.
Em vez de o fazer, Biden não só é cúmplice do banho de sangue, como também não está claramente a usar a considerável influência que tem. Nem as forças americanas na Ucrânia, que estão a ajudar a dirigir os esforços militares e de inteligência de Kiev, estão a impedir Zelensky de se envolver em acções como o ataque ao Kremlin, que pode ter consequências desconhecidas e desastrosas.
Se Biden e os democratas no poder não alterarem a sua estratégia de cinzas, então cabe à liderança republicana no Congresso chamar a atenção para o facto de que deveriam fazê-lo. Não é isso que está a acontecer porque muitos dos representantes e senadores republicanos foram eleitos com doações chorudas do complexo industrial e militar americano e cantam a cantiga do pântano, sendo ideologicamente mais próximos de Biden do que de Donald Trump ou Ron DeSantis. E, enfim, porque sobre este assunto como sobre todos os assuntos fundamentais no Ocidente dos dias que correm, há um uníssono de elites em favor de uma agenda que não representa de todo os interesses dos cidadãos.
Mais cedo do que tarde, a verdade factual sobre o ataque dos drones do Kremlin virá à superfície, e é provável que não seja tranquilizadora para aqueles que se preocupam com o encorajamento de Biden à imprudência de Zelensky. Resta-nos apenas rezar para que o próximo acto insano dos ucranianos não seja aquele que vai desencadear uma crise da qual a sinistra administração americana não consiga sair com uma conferência de imprensa e um artigo manhoso no New York Times.
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