O vento barroco inventa a paisagem.
Deus abre a partitura, agita a batuta e iniciam-se as gaivotas,
em coro de trompetes.
As traineiras que chegam à doca,
arrastadas pela maré e pela combustão percurssiva do diesel,
não desafinam.
A montanha que se debruça ondulante
traz até à enseada a escala cromática de 36 violinos madrigais,
despertadores alegres do sono do mundo.
O Atlântico acorda em sereníssima majestade,
contribuindo com atonalidade eterna para a virtude sinfónica.
Enquanto o disco solar encontra o seu timbre primaveril,
duas ou três nuvens equívocas trauteiam a frase violoncelista da esfera celeste,
vibrando, melódicas, em azuis de Si Maior.
Consigo até ouvir as rosas em decaimento bemol,
por entre o zumbido concertado das abelhas e o murmúrio da terra,
que repete incansavelmente o seu refrão primordial.
O horizonte ergue-se enfim em uníssono orquestral para me saudar,
e eu – plateia de plebeus – levanto-me para a ovação redentora.

Na pauta de Antonio Vivaldi reside a última palavra de Deus.