“Temos que saber. Vamos saber.”
David Hilbert . Discurso em Königsberg . 1930
Uma das histórias mais rocambolescas que a disciplina da Matemática tem para oferecer à humanidade é a de Grigori Yakovlevich Perelman, o obscuro génio que resolveu um dos mais bicudos problemas da matemática, só para recusar os louros e desaparecer completamente. Mas convém contar a história do seu princípio.
POR DEUS, UMA CIÊNCIA EXACTA TERÁ QUE SER EXACTA.
Para um matemático a sério, é doloroso saber que a sua disciplina é uma ciência inconsistente. Ou por outras palavras: que não está fechada completamente dentro da sua encruzilhada de lógicas porque, aqui e ali, existem contradições maçadoras e paradoxos inaceitáveis.
E para um matemático de ambição holística como David Hilbert (1862-1943), este estado corrompido das coisas incorruptíveis não podia realmente continuar. A 8 de Agosto de 1900, na intervenção de abertura do Segundo Congresso Internacional de Matemáticos de Paris, Hilbert demonstra que se resumem afinal e “apenas” a 23 os engulhos indemonstráveis, os abjectos paradoxos, as vergonhosas contra-cantigas que durante séculos teimaram em desafinar a precisão harmónica, estética, intelectual e científica da Sinfonia do Número.
Para este enorme génio alemão – que atravessou, com a sua centelha, todo o espectro teórico da Matemática – resolvidas fossem estas irritantes charadas e a álgebra e a geometria, a trigonometria e a lógica, a teoria dos números e o cálculo, os campos todos enfim do saber matemático unir-se-iam em uníssono e uniforme logaritmo de exactidão selada.
Lançado o repto, escusado será dizer que a comunidade científica regressou para os gabinetes das várias academias com uma obsessão missionária, ou melhor dizendo, com 23 seculares enxaquecas. Não é exagerado afirmar que a Matemática de todo o século XX está marcada pela tese de Hilbert, muito simplesmente porque o santo homem soube orientar, com ousadia e prosápia, o pensamento científico para as áreas em debate.
Com o tempo, os seus problemas foram sendo, na sua grande parte, resolvidos. Uns revelaram-se depois de importância marginal, outros conduziram o espírito humano para as eloquentes conquistas – e misérias – do século das grandes guerras. O problema (eterno) é que certas soluções tiveram apenas o mérito de Pandora: uma vez reveladas libertavam outros monstros desconhecidos, outras aberrações da lógica sistémica, outros tiques quânticos muitíssimo danosos para a consistência da grande arquitectura de Deus.
AS SETE PERGUNTAS-DE-UM-MILHÃO-DE-DÓLARES.
Exactamente cem anos depois e inspirados por essa mítica noite de Paris, os senhores que mandam no respeitabílissimo Clay Mathematics Institute of Cambridge, decidiram criar o prémio Clay, que atribui muito simplesmente um milhão de dólares a quem encontrar solução consistente para um destes sete problemas:
• Conjectura de Birch e Swinnerton-Dyer
• Conjectura de Hodge
• Equações de Navier-Stokes
• P versus NP
• Conjectura de Poincaré
• Hipótese de Riemann
• Teoria de Yang-Mills
Estes são, para a matemática contemporânea, os escolhos que restam no caminho para a paz de espírito. Para sabermos aquilo que devemos saber (leia-se: tudo), há que partir estas pedras.
A CONJECTURA DE POINCARÉ OU “DEVES ESTAR A GOZAR!”
Uma das conjecturas cuja resolução será laureada com o chorudo prémio Clay é a de Jules Henri Poincaré (1854 – 1912), matemático, físico e filósofo, provavelmente o último universalista da Matemática, grande mago em óptica, eletricidade, telegrafia, capilaridade, elasticidade, termodinâmica, mecânica quântica, teoria da relatividade e cosmologia. O senhor discordava do fundamentalismo de Einstein e foi o primeiro a considerar a possibilidade de caos num sistema determinista. Isto não o impediu porém de perseguir bravamente o bug da incerteza. A inconsistência de que precisava para se irritar encontrou-a nos seus estudos de análise topográfica, em 1905. Por muito estranho que pareça, Poincaré chega à lamentável conclusão que qualquer variedade tridimensional fechada e com grupo fundamental trivial é homeomorfa a uma esfera tridimensional. Hã? Agora em português plano: tudo o que não tem buracos deve ser uma esfera.
Não, não se trata de uma brincadeira. A mais fina matemática do homem que caminhou nas calmas pela superfície lunar demonstra cruamente que qualquer corpo tridimensional estável e fechado – um cubo, por exemplo – não passa de uma esplêndida bola! Como é óbvio, o próprio Poincaré foi o primeiro a tentar refutar a sua demonstração, mas debalde. O infeliz génio já tinha libertado mais um monstro. No caso, um monstro de notável longevidade, porque foi preciso chegarmos ao ano de 2006 para que alguém o enfrentasse e, com um rasgo de génio, o levasse à irrelevância.
O RASPUTIN DA GEOMETRIA DIFERENCIAL.
Para bem da sanidade mental da terráquea comunidade científica, um alienígena chamado Grigori Yakovlevich Perelman descobriu a pólvora sagrada e podemos enfim respirar de alívio. Porque se está claro desde sempre e para toda a gente que um cubo não deve ser uma esfera, para os matemáticos só neste momento se fez luz: a Conjectura do mestre Poincaré sofre de equívocos.
Grigori Perelman, Gisha para os amigos que nem se sabe bem quem são, é uma daquelas figuras que justificam completamente a iconografia excêntrica atribuída aos sumo sacerdotes da matemática. Nascido em S. Petersburgo no ano de 1966, foi um estudante brilhantíssimo, somou prémios e prestígio, doutorou-se na Universidade natal e por lá ficou a cogitar, espantando de vez em quando os seus correligionários com algumas sentenças de prodigiosa invenção, principalmente no campo da geometria diferencial. É tímido, averso a honrarias, alérgico às tentações materiais e tem a figura chapada de Rasputin, com longos cabelos, barbas intermináveis, unhas por cortar e semblante alienado.
Nas horas vagas, aventura-se pelas florestas à procura de cogumelos. É basicamente um eremita muitíssimo esperto e ninguém fazia ideia do que ia naquela cabecinha divina até que, num belo dia de Novembro de 2002 edita na net o primeiro paper do seu “Esboço de uma Prova Ecléctica”. A Coisa cai como uma bomba de ácido sulfúrico entre os pares. Em 2003, viaja relutantemente às capitais mundiais da matemática (Princeton, Stanford, Yale, UCLA, e assim por diante), para dar conta do seu trabalho e distribuir os 3 volumes da tese de 1000 páginas de equações abreviadas e prosa esotérica.
A sensação é a de um clímax operático. As afirmações de Gisha implicam verdadeiras revoluções do pensamento matemático, não por demonstrarem o óbvio (a esfera deve ser uma esfera, o cubo deve ser um cubo), mas pela assombrosa abordagem metodológica e pelo virtuosismo técnico da demonstração em si. Alguns extasiados colegas americanos comparam a beleza absoluta das suas equações à arte de Botticelli. Só para dar ideia do fôlego desta Obra ao Branco, Bruce Kleiner, catedrático de Yale mandatado para explicar aos colegas a demonstração de Gisha, passou 3 anos da sua vida apenasmente envolto na hercúlea tarefa. Ele e outros consagrados académicos confirmaram, passo a passo, a validade da Prova Ecléctica.
ONDE ESTÁ O GISHA?
Candidato óbvio ao milhão de dólares do prémio Clay, contendente fortíssimo à mais prestigiada honraria que os matemáticos são capazes de oferecer a um matemático – a Fields Medal – Grigori Yakovlevich Perelman comportou-se, no apogeu académico da sua vida, de acordo com a sua reputação: chegou, demonstrou, maravilhou a audiência e desapareceu do mapa. Depois da última ronda de conferências nos Estados Unidos, regressou à Mãe Rússia, indiferente aos chorudos convites que choveram, e consta que se demitiu do Instituto Steklov de S. Petersburgo. Não responde aos emails, não se lhe conhece uma morada ou um número de telefone. É evidente que não está para ninguém. Não quer saber de prémios; prefere ir à procura de cogumelos. Não precisa de empregos; faz profissão na floresta. Ao barulho da glória prefere o silêncio do Inverno pátrio, onde ninguém lhe interrompe as intermináveis contas de cabeça.
MORAL DA HISTÓRIA
Se nos fosse contada esta história pelos aldrabões de Hollywood, não acreditávamos nela. Mas a realidade supera invariavelmente a ficção. E a Matemática pode não passar de uma charada engendrada por deuses cruéis. Mas, por todos os Números Reais, produz heróis épicos ao ritmo dos versos de Homero.
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