Não interessa realmente se o balão chinês que descontraidamente sobrevoou os Estados Unidos na semana passada era um aparelho de espionagem, um sistema de monitorização meteorológica à deriva, um estranho bombardeiro, ou uma manobra de diversão. Trata-se objectivamente de um dispositivo alienígena que entrou no espaço aéreo do território americano sem qualquer autorização ou protocolo que o justifique.

A reação do Pentágono foi a que é característica dos tempos que correm: fraca, incompetente e sobretudo revelando um desprezo incrível para com a opinião pública americana. Quando perguntado sobre o direito dos cidadãos da federação de saberem o que se estava a passar, o infeliz porta-voz do estado maior da força aérea respondeu desta analfabeta e sobranceira forma:

“O público certamente que tem a possibilidade de olhar para o céu e ver onde o balão está.”

Este é o nível da comunicação que o Pentágono mantém com os cidadãos que, alegadamente, tem como missão defender.

Joe Biden, quando inquirido sobre o assunto depois de uma declaração à imprensa sobre o estado da economia americana cujo rigor técnico é comparável ao de uma fábula de La Fontaine, virou as costas e voltou para a unidade de cuidados intensivos em que a sala oval deve ter sido transformada.

Mais tarde, o decrépito presidente veio dizer que tinha dado ordem para que o balão fosse rapidamente abatido, mas que os rapazes do Pentágono decidiram ignorar a sua ordem e esperar por melhor altura (melhor para quem?); episódio que prova, se necessário fosse, que Biden só é o comandante em chefe das forças armadas da federação no papel. Na práctica é o insuportável Mark Milley quem manda.

 

 

Será pertinente lembrar que o mesmo Mark Milley assumiu publicamente ter prometido aos chineses um aviso prévio na eventualidade de um ataque nuclear por parte dos Estados Unidos, durante a presidência de Donald Trump.

No meio da controvérsia os americanos não só ficaram a saber, apesar dos esforços da sua administração para que nada soubessem, que o balão estava a ser monitorado pelo Pentágono muito antes de entrar no espaço aéreo sob sua jurisdição, e que este não foi de todo o primeiro caso do género. Parece que os militares chineses têm este hobby de enviar balões para os céus da América e de muitos outros países. Por alguma razão será.

Convém também sublinhar que o balão sobrevoou instalações da rede Minuteman, a espinha dorsal do sistema de dissuasão nuclear americano. Se é verdade que os chineses têm formas muito mais sofisticadas de fotografar e estudar estas instalações, como satélites, por exemplo, não deixa de ser estranho que os Estados Unidos permitam este tipo de incursões, esperando pacientemente que o objecto voador identificado atravessasse todo o continente até finalmente decidirem abatê-lo, quando o poderiam ter feito, com toda a segurança do mundo, logo que o objecto entrou no Alasca. Se este era de facto um mecanismo de espionagem, o Pentágono teve o cuidado de esperar até que todos os dados fossem enviados para os serviços de inteligência do Partido Comunista Chinês. Sem dúvida um dos actos de cortesia mais eloquentes e espantosos da história dos impérios desavindos.

 

 

Haverá no entanto que suspeitar dessa desavença. É bem nítido que a actual administração americana, o aparelho democrata em Washington e os generais de topo no Pentágono, encaram o rival asiático mais como um camarada de armas, do que como um inimigo. As premissas ideológicas do Partido Comunista Chinês são partilhadas por muita gente que está instalada nas salas de poder da América. E enquanto os falcões do congresso e os senhores da guerra do aparelho industrial e militar americano estiverem entretidos com o seu ódio de estimação – personificado no actual inquilino do Kremlin – os comissários de Pequim poderão continuar a estender os seus intermináveis tentáculos. Que, como este mapa eloquentemente demonstra, é o que têm estado precisamente a fazer nas últimas décadas, com assinalável zelo e a competência de que a América parece completamente desprovida:

 

 

Voltando ao balão, é claro que Tucker Carlson não podia ter falhado o assunto, e no monólogo de sexta-feira passada diz, como é seu hábito, aquilo que é preciso dizer e faz as perguntas que é preciso fazer. Algumas, as mais importantes, ficam sem resposta. Mas devemos confiar na máquina de produção executiva que Tucker tem ao seu dispor para, mais tarde ou mais cedo, percebermos melhor que intenções estão afinal por trás destas actividades do regime de Pequim e destas passividades do regime de Washington.