Ao longo dos últimos anos, muito se tem escrito e dito sobre as ameaças à integridade da democracia nos Estados Unidos. Frequentemente, surgem alegações sobre interferência nas eleições americanas por parte da Rússia, China ou outros actores estatais. Em nome de integridade eleitoral, as agências governamentais foram designadas para identificar e perturbar estas intrusões alienígenas. Mas à medida que mais informação, muitas vezes confidencial, é revelada sobre a actividade destas agências, mais parece que foram elas próprias que interferiram afinal e decisivamente nos resultados eleitorais, falseando-os de uma forma que, esta sim, representa uma grave agressão ao regular funcionamento dos mecanismos eleitorais e constitucionais.
Ainda na semana passada, foi revelado que o FBI voltou a reter informação pertinente do público americano, durante meses, para a revelar só depois das eleições intercalares de 8 de Novembro de 2022. Tal como com o encobrimento de provas que o FBI relatou ter encontrado no portátil de Hunter Biden, os agentes sabiam, desde 2 de Novembro de 2022, que pelo menos alguns dos vários conjuntos de material classificado que ilegalmente encontraram o seu caminho para a garagem e biblioteca do Presidente Joe Biden, e para o think tank do Penn Biden Center, na Universidade da Pensilvânia – à qual, por estranha coincidência, membros anónimos do Partido Comunista Chinês doaram 54,6 milhões de dólares.
A sua existência só se tornou conhecida na semana passada, depois da recém-eleita maioria republicana na Câmara dos Representantes ter anunciado que iria realizar audiências para perceber melhor
“a forma como o Departamento de Justiça tratou as investigações sobre materiais classificados encontrados na casa do ex-Presidente Donald Trump na Florida, e os encontrados no escritório do Presidente Joe Biden, na sua casa em Delaware e num think tank em Washington com o seu nome.”.
Além disso, o recente lançamento dos “Ficheiros Twitter” levantou pelo menos duas grandes preocupações relativamente às acções das agências de inteligência. A primeira é que o muro de separação entre esta comunidade e os meios de comunicação social americanos não só apresenta buracos para a fuga de informação, como se desmoronou totalmente. O relatório de que funcionários do Gabinete do Director da Inteligência Nacional (ODNI) se reuniram semanalmente com executivos do Twitter para condicionar a informação que circulava nas redes sociais é completamente surrealista. Quando a ODNI foi criada, ninguém pretendia que os seus funcionários tivessem qualquer papel neste tipo de actividades de controlo da informação que os cidadãos americanos podem ou não podem consumir. O mesmo acontece com os Serviços Secretos, que aparentemente decidiram ser uma organização politicamente armada.
A combinação de agências de Informação e inteligência que operam politicamente no território americano, de mãos dadas com as Big Tech, que são os principais portais de informação para a generalidade da população, representa objectivamente uma séria ameaça à democracia americana e à integridade das suas eleições.
Em 2013, quando, em resposta a uma pergunta do Senador Ron Wyden ao então Director da National Intelligence (DNI) James Clapper sobre se a National Security Agency (NSA) recolhe “qualquer tipo de dados sobre milhões, ou centenas de milhões de americanos”, respondeu Clapper:
“Não senhor, não de forma intencional”.
Clapper foi perguntado após a audiência se queria alterar a resposta, e recusou. Foi pouco tempo depois que um programa maciço da NSA contendo milhões de dados sobre cidadãos americanos foi revelado. Clapper foi apanhado numa enorme mentira.
A 12 de Janeiro de 2017, a CNN noticiou que o Presidente eleito Donald Trump tinha sido brifado por Clapper, pelo Director do FBI James Comey, pelo Director da CIA John Brennan, e pelo Director da NSA Michael Rogers. O tópico: “operacionais russos afirmam ter informações pessoais e financeiras comprometedoras sobre Donald Trump”. O objectivo era informar o Presidente eleito que estas alegações “circulavam entre agências de inteligência, membros superiores do Congresso, e outros funcionários governamentais em Washington”. O briefing também aflorou outras informações importantes que alegadamente estavam “a circular”.
A intenção de despejar estas informações falsas – algumas das quais fabricadas pelo próprio FBI – no domínio público era, evidentemente, a de prejudicar Trump. As alegações de conluio com os russos iriam assombrar e prejudicar a sua presidência durante dois anos. O próprio Clapper declarou:
“Expresso a minha profunda consternação perante as fugas que têm aparecido na imprensa… São extremamente corrosivas e prejudiciais para a segurança nacional”.
Clapper também divulgou uma declaração de que nem ele nem ninguém da Comunidade de Inteligência eram responsáveis pelas fugas de informação. Como é que esta informação altamente classificada passou, então, para o domínio público?
Uma investigação da Câmara dos Representantes forneceu a resposta. Clapper negou a fuga do dossier, mas admitiu tê-lo discutido com o correspondente da CNN Jake Tapper e talvez outros jornalistas no início de 2017. Mais tarde, Clapper iria juntar-se à CNN como contribuinte de “segurança nacional”.
Hoje sabemos que o célebre conluio com a Rússia era uma mentira enorme. Após 22 meses de investigação, nenhuma prova foi descoberta. As provas supostamente comprometedoras nunca existiram; a informação no “dossier Steele” era falsa – e o FBI sabia-o desde o início. Toda a fabricação tinha sido uma manobra de fragilização de Trump. Que decorreu durante a campanha de 2016 e depois, durante o seu mandato como presidente.
Em Outubro de 2020, pouco antes das eleições, 51 antigos profissionais dos serviços secretos tinham mesmo assinado uma carta conjunta afirmando que o infame portátil de Hunter Biden tinha “todas as marcas clássicas de uma operação de informação russa”. Afirmaram que a sua experiência em matéria de segurança nacional os tornou “profundamente desconfiados de que o governo russo desempenhou um papel significativo neste caso”. E prosseguiram:
“Se estivermos certos, isto é a Rússia a tentar influenciar a forma como os americanos votam nestas eleições, e acreditamos firmemente que os americanos precisam de estar cientes disto”.
O New York Times levantou questões sobre a autenticidade dos materiais encontrados no portátil. Bill Evanina, o Director do Centro Nacional de Contra-Inteligência e Segurança, tinha indicado em Agosto que a Rússia estava a tentar denegrir a campanha de Biden. Todos estes “factos” fabricados tinham aparentemente a intenção de criar uma circunstância mediática que levasse pessoas razoáveis a concluir que o portátil de Hunter Biden resultava de uma operação de desinformação russa.
Os signatários da carta de 2020 incluíam Clapper, Brennan, Michael Hayden, Jeremy Bash e David Buckley. Clapper e Brennan são nomes familiares. Estiveram envolvidos no briefing de Janeiro de 2017 ao Presidente Donald Trump sobre o falso dossier Steele. Jeremy Bash e David Buckley continuam a desempenhar papéis significativos em áreas da segurança nacional e doméstica no governo dos Estados Unidos. Buckley foi líder da maioria no Comité de Selecção da Câmara que investigou os acontecimentos de 6 de Janeiro de 2021. Bash foi nomeado co-presidente de uma comissão governamental para rever a guerra no Afeganistão.
Os esforços fraudulentos do governo dos EUA e da sua comunidade de inteligência (juntamente com Hillary Clinton, o seu comité de campanha, a liderança do Partido Democrata, a propaganda dos meios de comunicação social e a censura nas redes sociais), foram muito bem sucedidos na missão de controlar a informação e influenciar o público. Durante quase dois anos, a autenticidade do material encontrado no portátil de Hunter Biden foi questionada. Hoje em dia, a história foi verificada; a informação é real e condenatória. Tal como foi muito bem resumido pelo New York Post:
“Sim, aquela carta dos 51 agentes tinha todas as marcas clássicas de uma operação de desinformação – aquela destinada a assegurar que Joe Biden ganhasse a presidência. E foi essencialmente uma operação da CIA, considerando que 43 dos 51 signatários eram antigos membros da agência de Langley.”
Um outro exemplo da corrupção e interferência na política interna da federação por parte dos serviços de informação e inteligência americanos vem também dos “Ficheiros Twitter”. De acordo com o tweet #20 da terceira tranche divulgada:
“Este post sobre a situação do portátil Hunter Biden mostra que Roth não só se reuniu semanalmente com o FBI e o DHS, mas com o Gabinete do Director dos Serviços Secretos Nacionais”.
O tweet #17 afirma:
“Os executivos estavam também claramente em ligação com as agências federais de aplicação da lei e de inteligência sobre a moderação do conteúdo relacionado com as eleições”.
E de que maneira: o FBI pagou ao Twitter 3,5 milhões de dólares, para que a companhia “tratasse dos pedidos da agência federal”.
Sabemos agora o que aconteceu. O Twitter suprimiu a discussão sobre a história do portátil de Hunter Biden e suprimiu posts sobre o assunto de contas conservadoras, ao mesmo tempo que o FBI, o DHS e a ODNI tinham literalmente montado uma loja na sede da companhia do passarinho azul.
Os americanos têm razões para a indignação. Este nível de colaboração entre a aplicação da lei federal e uma empresa do sector privado no controlo do discurso é alarmante. Ter os serviços de inteligência, que supostamente deviam operar para lá das fronteiras, envolvidos nestas manobras de foro interno é ainda mais aterrador.
Podem os cidadãos dos EUA confiar no seu governo, na aplicação da lei e na comunidade de inteligência?
Será que estas agências governamentais federais estão em guerra aberta com a dissidência política interna?
Porque é que não houve uma resposta firme dos serviços de inteligência sobre a clara operação de desinformação dos 51 profissionais do sector?
Quem autorizou a relação estreita entre os agentes da lei e as companhias de Silicon Valley?
Quem, nestas agências governamentais, analisou e aprovou os resultados e decisões provenientes destes esforços conjuntos?
É imperativo que os responsáveis políticos investiguem como é que a comunidade de inteligência evoluiu de uma relação literalmente inexistente com o livre discurso na América para residirem nas salas que determinam que discurso é permitido e que discurso é interdito.
É mais que evidente que o aparelho governamental tem vindo a condicionar a informação que os americanos consomem. É necessário obliterar essa nefasta actividade já, antes que a democracia dos EUA seja destruída de facto.
Se é que tal demanda é possível, no contexto do pântano de Washington.
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