Após um desastroso desempenho nas intercalares de 2022, o Partido Republicano pode estar condenado a um período de oposição prolongada a nível nacional.

As eleições de 2022 foram uma catástrofe para os republicanos, e uma catástrofe histórica. Todas as tendências significativas favoreciam os candidatos do Partido Republicano: condições económicas inquietantes, um presidente impopular que já devia estar reformado antes de ser eleito, um ambiente volátil de política externa, e uma trend histórico que tem favorecido consistentemente os republicanos nas intercalares. Os candidatos democratas acabaram por ganhar muitas das mais importantes corridas ao Senado, e a quase inevitável maioria republicana na Câmara dos Representantes concretizou-se por uma margem muito estreita. Alguns candidatos, como Kari Lake no Arizona, arrancaram a derrota das mandíbulas de uma vitória certa. E Trump, perante a derrota de candidatos que tinha endossado, despejou a sua frustração em grupos de interesse anti-aborto que na verdade contribuíram para a sua vitória de 2016.

Talvez seja altura de perguntar: poderão os republicanos ainda vencer a nível nacional?

A história mostra que o domínio eleitoral nos EUA, tanto quanto as análises catastrofistas, oscilam ciclicamente. Após as eleições de 2004, quando George W. Bush foi reeleito, alguns analistas falaram do fim do Partido Democrata; quatro anos mais tarde, esse mesmo partido ganhou enfaticamente a Casa Branca e o Congresso, incluindo uma super maioria no Senado, que permitiu a validação do Obamacare.

O caso é que ambos os partidos são objectivamente incompetentes para o exercício do governo e, na realidade, incapazes de qualquer coisa para além de angariar fundos e gerar ódio. Uma vez alcançada uma vantagem, como os democratas desfrutam actualmente, o cronómetro do desastre é desde logo accionado e é apenas uma questão de tempo até que o partido da sexualização da hora do conto se envolva num grande escândalo ou destrua de outra qualquer forma a sua credibilidade, que é já de si, nesta altura do campeonato, milagrosa.

Contudo, estas observações dependem da experiência histórica e ignoram realidades estatísticas cada vez mais desfavoráveis para os conservadores. Apesar de toda a histeria da esquerda direccionada contra o sistema de colégio eleitoral, os actuais processos de recolha e contagem dos votos, bem como a realidade demográfica americana, não são nada amigáveis para os republicanos. Se considerarmos Donald Trump uma anomalia geracional, o Partido não ganha sob este sistema desde que Bush o fez em 2004, num quadro temporal em que estados como o Colorado, Nevada e Virgínia ainda caíam confortavelmente na coluna republicana. Bush até ganhou o Novo México, um estado que os republicanos já nem sequer contestam.

Vamos usar o mapa de vitória de Trump em 2016 como ponto de partida.

Um conjunto quase perfeito de circunstâncias deu vitórias em Michigan, Pensilvânia, e Wisconsin, estados que os republicanos não ganhavam há décadas. A ideia de que isto é facilmente replicável parte de um pressuposto muito optimista. E será que as vitórias democratas no Arizona e na Geórgia são apenas epifenómenos temporários? Há poucas provas que corroborem essa teoria. E a recuperação de estados como Nevada ou New Hampshire, com pouco peso no colégio eleitoral, não compensam de todo as perdas noutros locais. Por outro lado, a necessidade imperativa do Partido Republicano em manter o controlo de estados como a Carolina do Norte e o Texas tem sido ameaçada por dois massivos eixos migratórios: o da imigração ilegal e o da migração interestadual, já que o êxodo de pessoas de estados democratas para estados republicanos tem sido uma constante nos últimos anos.

E se é compreensível que os imigrantes votem maioritariamente no Partido Democrata, porque são tendencialmente os democratas que defendem políticas fronteiriças permissivas (fenómeno que os motiva para serem ainda mais permissivos), não deixa de ser irónico que os migrantes nativos, que fogem dos estados que foram conduzidos à ruína pelos democratas à procura da qualidade de vida, da ordem, da segurança e da prosperidade que os estados tradicionalmente republicanos oferecem, continuem a votar democrata quando neles se instalam, numa atitude de cegueira ideológica completamente tonta.

Assim, uma vitória presidencial republicana depende de alguma combinação de alto desempenho no Rust Belt e de pontos-chave no Sun Belt. Um candidato como o Governador Ron DeSantis, que parece ter sido concebido em laboratório para ser presidente dos Estados Unidos, concorrendo contra uma muito pouco inspiradora e necessariamente desgastada candidatura Biden-Harris, num mau cenário económico, poderá até permitir o acesso à Casa Branca. Mas quando estas circunstâncias críticas não estão alinhadas a favor dos republicanos, poderão eles, a longo prazo, esperar ganhar mesmo que seja metade das vezes?

Mesmo no caso de uma vitória confortável do DeSantis, ele conseguirá provavelmente um limite máximo de algo como 315 votos eleitorais (Trump ganhou 304 em 2016). Em comparação, os democratas partem com quase 200 somados apenas na Costa Ocidental. E do lado oriental, Illinois, Nova Iorque e Nova Inglaterra votariam democrata mesmo que o candidato matasse alguém, ao vivo, perante as câmaras de televisão.

Assim, nos próximos anos, podemos assistir a um afastamento do baluarte que tem caracterizado a política americana há mais de meio século. Os democratas podem estar posicionados para ganhar bem mais que metade das eleições nacionais, principalmente se a imigração, que se cristaliza nos grandes centros urbanos, continuar ao ritmo a que temos assistido no século XXI. Como exemplo do que pode acontecer, basta observar como o vizinho Partido Conservador do Canadá, lutando com a imigração em grande escala e a consolidação da população nas principais áreas metropolitanas, perdeu três eleições nacionais consecutivas e parece incapaz de conseguir um resultado diferente.

Este cenário pode evoluir de três maneiras. A mais favorável para os republicanos seria o realinhamento em escala dos eleitores, especificamente a tão esperada migração dos latinos para o Partido Republicano. Este tipo de processo é inevitável na política – os Cartazes de Trump à porta dos sindicatos de Pittsburgh, por exemplo, teriam sido impensáveis não há muito tempo – mas é lento e imprevisível, e nem os políticos nem os eleitores são conhecidos pela sua paciência.

O segundo cenário é o do Partido Republicano ser forçado a suportar um período prolongado de oposição, como o Partido Trabalhista no Reino Unido ou o SPD na Alemanha de Merkel. Estes partidos têm sido suficientemente sólidos e enraizados no eleitorado para permanecerem influentes, mesmo que por largos períodos na oposição, mas a política é a arte de conquistar o poder (e de o manter), e os partidos da oposição por definição não o fazem. É também muito improvável que os políticos americanos, de qualquer dos partidos, tenham a disciplina de dar prioridade aos princípios sobre as tentações do poder.

Isso conduz à terceira possibilidade, que cremos ser a mais provável, em que o Partido Republicano se desloca para a esquerda e abandona posições políticas que cinicamente considera incómodas. Como Tony Blair fez com o Partido Trabalhista, no Reino Unido, mas ao contrário. Como Merkle fez com a Democracia Cristã alemã, para se eternizar no cargo. Como Rui Rio fez no PSD, com os ofuscantes resultados que conhecemos.

Testemunhámos recentemente um exemplo desta deriva, quando 39 representantes e 12 senadores republicanos aceitaram o ultimato de instituições sociais influentes e apoiaram a ironicamente chamada “Lei do Respeito pelo Casamento”, que não tem nada a ver com a devida consideração pelo matrimónio ou pelos valores da família, que deviam ser defendidos pelos conservadores.

Não é aliás por acaso que muitos dos políticos eleitos pelo Partido Republicano são alcunhados de RINOS (Republicans Only In Name). A viragem à esquerda é uma realidade objectiva, mais nítida desde 2016. Basta equacionar que há representantes republicanos, como Adam Kizinger, que no fim do seu mandato são imediatamente contratados pela CNN como analistas da vida política da nação. Ou que o a comissão de inquérito sobre os acontecimentos de 6 de Janeiro era em boa parte constituída por representantes republicanos que fizeram de tudo para, em aberto conluio com os democratas, aviltar e condenar membros do seu partido e, mais importante, do seu eleitorado.

 

A recente disputa entre o aparelho do partido e o restrito grupo de representantes do House Freedom Caucus, a propósito da eleição de Kevin McCarthy para Speaker da Câmara, é aliás eloquente sobre as divisões e a fragilidade da coligação conservadora americana. Mas podemos apostar que o establishment republicano não está disposto a despedir-se dos seus preciosos eleitores suburbanos de colarinho branco, ateus, liberais no sentido clássico da palavra, que ostentam a bandeira ucraniana nos seus perfis do LinkedIn e defendem o aborto ilimitado. Nem do dinheiro do capitalismo corporativo de Silicon Valley, de Wall Street e do complexo militar e industrial. O domínio desses eleitores e desses interesses irá remeter, mais tarde ou mais cedo, os elementos mais conservadores e a facção populista da coligação republicana para um terceiro partido, que não pode ganhar, ou ao voto útil numa entidade de que desconfiam e que não reconhece os seus valores.

O problema do voto útil é que implica sempre perdas, não só na sua capacidade de mobilização social, mas principalmente na perda, mesmo que marginal, de votos, já que nem todos estão dispostos a sacrificar os seus princípios no altar do espírito pragmático. Tanto mais que há muitos milhões de conservadores nos Estados Unidos que consideram certos republicanos como os seus verdadeiros inimigos políticos. E o Partido Republicano não pode perder mais votos, principalmente aqueles que estão no seu eleitorado potencial.

Isto tudo, claro, no caso em que os Estados Unidos consigam manter-se unidos a médio e longo prazo. O que em si mesma já é uma questão muito discutível.