“Um declínio da coragem pode ser a característica mais marcante que um observador externo percebe no Ocidente dos nossos dias… Será preciso salientar que desde os tempos antigos o declínio da coragem tem sido considerado o começo do fim?”
Aleksandr Solzhenitsyn . Um Mundo Dividido
“A cobardia é a mãe da crueldade.”
Michel de Montaigne
A conformidade patológica que infecta o Ocidente contemporâneo é fruto de gerações e resultado de uma confluência de factores. É impulsionada por um sistema de valores no qual a validação social ocupa uma posição proeminente. É promovida pela comunicação social e nas redes sociais e pelo facto do sucesso nessas plataformas ser alcançado pela sinalização de falsas virtudes e pelo seguidismo de valores morais imediatistas, encapsulados em quarenta caracteres de um tweet. É também produto de um sistema educacional que diviniza acriticamente o ideal democrático, confundindo-o com o ideal socialista, que promove os direitos sociais sobre os direitos do indivíduo. Esses factores, combinados com uma miríade de outras variáveis económicas, demográficas, sociais e tecnológicas, criaram uma sociedade hiper-conformista.
Uma das formas da manifestação dessa conformidade é a da obediência cega e da necessidade patológica de seguir regras. A maioria dos cidadãos acredita que ser “boa pessoa” é acatar as ordens daqueles que ocupam posições de poder político e burocrático e fazer o que os lacaios do poder instalados na imprensa recomendam e o que as desqualificadas celebridades decretam que é válido nas redes sociais. Ao agir obedientemente, o conformista não consegue diferenciar entre moralidade e legalidade e, assim, permanece deliberadamente ignorante do facto de que as regras de qualquer governo podem muito bem abrir caminho para a ruína individual e social quando são ineptas, imorais, inconstitucionais e/ou impulsionadas pela corrupção ou pela fome de poder.
O livre arbítrio, o juízo independente, a cidadania responsável e a autoconfiança perturbam a crença do conformista no valor da obediência e, portanto, ameaçam a sua identidade. Não é o caso que o conformista obedeça enquanto permite aos outros a liberdade de fazer sua própria escolha. Quando a maioria defende a imposição do conformismo aos poderes instituídos, a sociedade coloca-se no que o psicólogo Ervin Staub chamou de “Contínuo de Destruição”. À medida que o estado usa a coerção e a força para punir uma minoria desobediente, a maioria racionaliza e justifica o seu apoio a tais medidas autoritárias ao demonizar ainda mais os dissidentes, levando assim a medidas governamentais cada vez mais severas. É o ciclo vicioso de todas as tiranias.
No século XX, países como a União Soviética, a Turquia, a Alemanha, o Cambodja e a China, tomaram medidas draconianas de restrição da cidadania a certos grupos minoritários, como proibi-los de frequentar restaurantes, bares, cafés e outros espaços públicos, impor-lhes o recolher obrigatório, expulsá-los de seus empregos, obrigando-os a pagar multas e restringindo sua actividade económica e liberdade de acção. Estas restrições funcionaram como os primeiros passos do Contínuo de Destruição que terminou em massivos casos de expiação e extermínio.
Alguns actos de coragem moral são acompanhados de riscos menores, como ser ridicularizado, insultado, despedido ou banido. Se, por exemplo, falarmos contra a crença no status quo na presença de um grupo de conformistas, ou se nos recusarmos a aderir a práticas sociais ou mandatos que são imorais ou idiotas, podemos perder amigos, criar conflitos com familiares, ou atrair os insultos dos obedientes. Mas este é um pequeno preço a pagar em troca de fazer o que acreditamos ser certo e de dizer o que acreditamos ser verdadeiro.
No caso pessoal do redactor deste texto, muitas foram as amizades que se perderam, desde que a pandemia começou. Intensa foi a negociação com clientes para que as relações profissionais se mantivessem frutuosas, apesar das diferentes perspectivas sobre a realidade. Foi preciso lutar, e houve perdas significativas nesse percurso, mas a verdade será sempre preferível à conveniência social ou ao utilitarismo material. Até porque a vontade de manter ou estabelecer relações afectivas ou profissionais com gente que não sabe pensar com a sua própria cabeça e que de bom grado enviaria para um campo de concentração a população não vacinada é absolutamente nenhuma.
No entanto, os actos de coragem moral são muitas vezes acompanhados por riscos mais graves, incluindo penalidades físicas ou financeiras, prisão e, em casos extremos mas historicamente recorrentes, a morte.
Mas sem que mais pessoas possam reunir a coragem moral para renunciar ao conformismo em favor da liberdade, rejeitar o transformismo da realidade em favor dos factos, ou, no mínimo, dar uma pequena contribuição para combater a tirania, as sociedades ocidentais continuarão a mover-se na direção daquilo que Ayn Rand chamou “Palco da Inversão Final”. Ou como ela avisa:
“Aproximamo-nos rapidamente do estágio da inversão final: o estágio em que o governo é livre para fazer o que quiser, enquanto os cidadãos podem agir apenas com permissão; que é o palco dos períodos mais sombrios da história humana, o palco do governo pela força bruta”.
Esse será mais um triunfo das trevas, nas sombras da história universal.
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