O desastre na gestão da pandemia expôs como totalmente falsa a afirmação de superioridade ideológica e governativa do Partido Comunista Chinês.

Pequim abandonou abruptamente a sua cruel e impopular política de “Covid zero” no início de Dezembro, depois de ter arruinado a economia chinesa e causado à sociedade inúmeras misérias que acabaram por conduzir a protestos em massa. Mas a reabertura da China tem sido um desastre. Não valida a tresloucada política anterior de “Covid zero”, mas ilustra tudo o que está errado com o sistema político ditatorial da nação.

A 19 de Março de 2022, enquanto a Covid-19 ainda se espalhava pelo mundo inteiro como um incêndio numa refinaria, o ditador Xi Jinping declarou ter ganho a “guerra do povo” contra a pandemia. Tal vitória pretendia servir como prova indiscutível de que o sistema político de partido único da China seria superior às democracias do Ocidente.

A declaração de vitória de Xi foi prematura. Depois de submeter o povo chinês a quase três anos de inferno com testes em massa, rastreio invasivo de contactos, bloqueios prolongados, quarentena forçada, e dificuldades económicas, a China foi a última grande economia a reabrir, e a sua reabertura na sequência da política de “zero covid” tem sido caótica e assustadora.

Os hospitais esgotaram a sua capacidade de receber novos doentes e as agências funerárias fazem horas extraordinárias a nível nacional à medida que os corpos se amontoam. As farmácias icaram sem medicamentos básicos para o frio e a febre, como o ibuprofeno. As fábricas enfrentam a escassez de trabalhadores, já que muitos deles caíram doentes.

As empresas americanas na China também têm sido afectadas. Por exemplo, a Tesla teve de encerrar a sua fábrica em Xangai entre 25 de Dezembro e 1 de Janeiro, no meio do aumento de infecções Covid entre os seus empregados. A província de Zhejiang, um centro industrial onde residem muitos fornecedores da Apple, lutou para manter as suas fábricas abertas, uma vez que no dia de Natal relatou um milhão de novos casos Covid.

Um documento de uma reunião interna da Comissão Nacional de Saúde da China revela que cerca de 250 milhões de chineses, ou 18% da população, poderiam ter sido infectados com Covid nos primeiros 20 dias de Dezembro. No entanto, o relatório oficial do governo chinês insistiu que os casos de Covid caíram 47% para 4.666 em Dezembro, e o novo número de mortes diárias nos últimos sete dias foi zero ou perto disso.

Uma vez que os dados oficiais Covid de Pequim têm sido amplamente ridicularizados como não fidedignos, os funcionários de saúde chineses admitiram finalmente ter mudado o seu método de contagem de mortes causadas pela pandemia. Mas como as autoridades chinesas já subestimaram o número de mortes por Covid por várias vezes ao longo da pandemia, a última mudança de metodologia não acrescenta credibilidade aos dados oficiais. Seja como for, ou porque sabem que ninguém confia nos seus números, ou porque os querem omitir, os responsáveis pela recolha de dados deixaram de publicar informação diária sobre a Covid desde o Natal.

A desastrosa reabertura da China não é uma validação da política “Covid zero” de Pequim, mas uma refutação da mesma e uma desgraça do sistema político chinês. A nação é governada por um partido sob a égide de um homem, Xi Jinping, que se tornou oficialmente um ditador vitalício no 20º Congresso do Partido. Ao declarar uma vitória prematura no início de 2020 e ao ligar a eliminação do Covid-19 ao seu legado e à suposta superioridade da governação do Partido Comunista Chinês, Xi não deixou espaço para debates políticos. A sua vontade tornou-se lei, por mais absurda que fosse.

Xi decidiu fechar as fronteiras da China e impor bloqueios prolongados, apesar de dados de outros países demonstrarem que tais abordagens são ineficazes para conter a Covid e têm causado mais danos do que benefícios. Impulsionado pela febre nacionalista, Xi recusou-se a importar vacinas Covid estrangeiras, embora sejam mais eficazes do que as fabricadas na China.

É verdade que a taxa de vacinação entre os idosos, que são mais susceptíveis de ficarem gravemente doentes, é especialmente baixa porque os chineses com mais de 60 anos cresceram na desconfiança do seu governo e não querem ser sujeitos a vacinas “made-in-China”. Porém, as vacinas ocidentais acabaram por se mostrar também bastante ineficazes. Neste sentido, as políticas da Xi deixaram a população chinesa vulnerável às variantes Covid-19 sobretudo devido aos baixos níveis de imunidade. De acordo com especialistas estrangeiros, “a baixa imunidade” está a impulsionar o actual surto de Covid na China. E por mais poderoso que seja o seu grande líder, ele não pode fazer desaparecer o vírus como faz com os dissidentes políticos ou as minorias étnicas e religiosas.

O sistema político ditatorial chinês também explica porque é que a reabertura da nação tem sido tão caótica. Os burocratas chineses sabem demasiado bem que a lealdade a Xi, e não a competência, será recompensada, e a sua sobrevivência política depende de quão bem servem o seu líder, e não o povo chinês. Estes burocratas são conhecidos por esconderem a verdade e as más notícias, evitarem tomar decisões, esperarem que os seus superiores lhes digam o que fazer, e nunca desafiarem uma ordem do topo, por muito ridícula que seja ou por intenso sofrimento que possa causar ao povo.

Durante três anos, O Partido Comunista Chinês disse aos seus cidadãos e ao resto do mundo que a política draconiana “Covid zero” era necessária para evitar um surto que esmagaria o já inadequado sistema de saúde da nação. Por exemplo, a partir de 2020, a China tinha 3,6 camas de cuidados intensivos por mil pessoas, em comparação com 7,1 em Hong Kong.

A política “Covid zero” de Xi aumentou realmente o seu controlo sobre o povo chinês, mas não sobre o vírus. Por conseguinte, durante os últimos três anos, os funcionários chineses concentraram-se em testes em massa, na construção de centros de quarentena, desumanos e inúteis, no controlo dos movimentos das pessoas, incluindo a soldadura das portas às entradas dos apartamentos, e em confiar numa aplicação de saúde obrigatória para localizar o paradeiro de todos.

Entretanto, não se fez o suficiente para preparar o sistema de saúde do país para a reabertura. Não foram construídos novos hospitais, e os medicamentos cruciais não foram reabastecidos. De acordo com o Wall Street Journal, em 2021, o número de camas hospitalares na China aumentou menos de 4% em relação a um ano antes.

Já em meados de Novembro, Xi ainda insistia publicamente que a sua política de “Covid zero” era para manter. Assim, quando de repente abandonou essa política, os seus subalternos lutaram para cumprir a ordem. A falta de preparação para a reabertura é evidente, uma vez que o excesso de doentes tem sobrecarregado o sistema de saúde do país, e há escassez até mesmo de medicamentos básicos para o frio e a febre. Mas sem imprensa livre e sem eleições, não existem mecanismos para responsabilizar Xi e os seus subalternos.

E mesmo considerando que a “imprensa livre” também é um mito no Ocidente, como temos, infelizmente, constatado nos últimos anos, a verdade é que o acesso a informação é muito menos controlado pelos estados deste lado do mundo do que é na China. E há na Europa e nas Américas cada vez mais públicos que estão orientados para canais alternativos à imprensa mainstream. Por enquanto.

Mas o povo chinês não é o único que sofre com as políticas destrutivas de Xi. Pequim anunciou que, no início de Janeiro, eliminaria todas as medidas de quarentena Covid-19 para viajantes internacionais e nacionais. Funcionários e peritos de saúde pública fora da China advertiram que o país é um terreno “ideal” para a criação de variantes de risco, devido à forma como foi abrigada das ondas anteriores e tem um baixo consumo de vacinas. Se uma nova e mais arriscada variante surgir e for transportada para o resto do mundo por viajantes chineses ou por aqueles que viajaram para a China, ela terá “o potencial de enviar o mundo de volta à estaca zero na sua luta contra o vírus”.

A China proclama frequentemente que o seu sistema político de partido único é muito mais eficiente e capaz de lidar com desafios como uma pandemia do que as democracias ocidentais. A má gestão do governo chinês em relação à Covid nos últimos três anos e o caos da sua actual reabertura têm exposto essa afirmação de superioridade como uma mentira. Total.