Se recuarmos 100 anos, o Ocidente, que curava na altura as feridas de uma guerra brutal e sangrenta, encaminhava-se para uma nunca até aí experimentada catástrofe dos mercados financeiros, e para as suas dramáticas consequências no tecido social das nações e na vida de milhões de seres humanos. Hoje, são várias as frentes da desgraça que se anuncia e que incluem também o colapso monetário, financeiro e económico, mas que não se esgotam nessa dimensão material: vivemos no fio da navalha. Basta pensar que é hoje muito mais provável a eclosão de um conflito termo-nuclear de larga escala do que em plena Guerra Fria, há coisa de meio século atrás.
Para o bem e para o mal, os Anos Vinte do século passado foram loucos, de facto, conforme reza a atribuição proverbial. E estes também o estão a ser. A diferença é que o presente estado de insanidade colectiva pode levar não só a uma quebra na prosperidade mas à queda civilizacional. Convém alertar o gentil leitor e a prezada leitora para as implicações de um processo desta magnitude. Depois de Roma cair, vastas regiões da Europa foram reduzidas, durante séculos, a um sistema oligárquico de inspiração tribal-feudal; bárbaro, violento, estruturalmente miserável, tecnologicamente obliterado e filosoficamente deficitário.
Neste contexto, o ContraCultura é frequentemente criticado por deixar na sensibilidade da sua ainda escassa audiência o sabor amargo de um pessimismo impenitente. Como um manifesto apocalíptico, mas sem redenção última, sucedem-se os artigos desesperançados, anunciadores deste esquizofrénico tempo presente, que promete um futuro distópico, de raiz totalitária.
A crítica é válida. Mas não será tida em consideração.
A missão deste website não é elevar o ânimo dos seus leitores ou cobrir com o açúcar das conveniências o deprimente espectáculo que a terceira década do Século XXI está a oferecer ao espectador mais atento. A missão do Contra, ao contrário, é a de servi-los quotidianamente com factos e opinião que reflectem, mais que o mandato do seu manifesto editorial, a realidade que, quotidianamente, é sujeita ao transformismo dos media convencionais.
E porque não é previsível que o teatro do mundo cumpra outra dramaturgia a curto ou médio prazo, também não será expectável que o ContraCultura altere o seu registo soturno. As coisas são como são.
A tragédia que assola a civilização ocidental em particular e e condição humana em geral tem, obviamente, causas antigas, mas, para não nos perdermos nos interstícios da história, é mais que nítido que 2020 foi o ano em que o processo de assalto às suas referências fundamentais foi acelerado e se tornou mais evidente. Dir-se-ia até que é a partir desse momento, em que a propósito de um vírus com um índice de mortalidade marginal se instala um novo, ilegal e draconiano modelo regimental sobre os cidadãos, que os inimigos da civilização como a conhecemos desvendam plenamente a sua identidade e os seus objectivos últimos, com o despudor e a confiança de quem sabe que segura, com força absoluta, as rédeas do poder. Poder que obteve, como sempre acontece historicamente, através da libertação mediática do medo e do apertado controlo dos fluxos informacionais.
O mundo foi assim virado ao contrário. E o ContraCultura faz o relato dessa inversão. O relato de uma civilização em queda livre, de novo dividida em raças e credos, líderes e liderados, elites e massas, e, pela primeira vez na história, em 134 identidades de género. Uma civilização que ignora os seus valores fundacionais enquanto faz a inversão de toda a gramática: homens que são mulheres, democracias que são ditaturas, liberdades que são jugos, primados científicos que são agendas políticas – a verdade é a mentira e vice-versa.
Caminhamos para a perdição. E o ContraCultura segue na viagem. É uma jornada difícil e nem por isso bonita de se ver, porque é precisamente do belo e da consolação que se afasta. Porque é precisamente a um inferno feito pelo homem na Terra que quer chegar. É um processo revolucionário com muitas milhas de horrores, de equívocos, de misérias. Mas precisa de ser documentado.
O ContraCultura, na sua quântica medida, fará disso profissão de fé. Sem receios éticos, preocupações cosméticas ou cuidados extraordinários com a sensibilidade de cada um. As pessoas são excessivamente susceptíveis, nos tempos que correm. Não seremos cúmplices desses achaques.
Ainda assim, haverá que evocar os valores e as glórias do modelo ontológico Ocidental. Mesmo considerando as suas falências e misérias, com certeza abundantes, a colisão do legado helénico com a tradição judaico cristã resultou no mais bem sucedido modelo de governação das nações e de prosperidade dos povos de que temos registo. As plataformas religiosas, culturais, filosóficas, científicas e tecnológicas da sua ascensão e apogeu vão encontrar, invariavelmente, um justo lugar no Contra-Cultura.
E será talvez olhando para esse passado de Leonardos e Medicis, de escolas atenienses e fábricas de foguetões, de antigos e novos testamentos, de cabos tormentosos e cartas constitucionais, de maneiras encontradas para ficarmos mais perto de Deus, mais sábios por entre o mistério da existência, que podemos encontrar redenção. E um vestígio de esperança, esse néon que brilha intermitente na noite da alma humana.
Sobreviver a 2023 implicará necessariamente esse regresso. Até porque vamos ter, mais tarde ou mais cedo, que parar para pensar naquilo que estamos a jogar fora. Convém que seja o mais rapidamente possível. Já depois da ressaca da passagem. Para que não seja tarde demais.
Paulo Hasse Paixão
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