Testemunhas oculares disseram à Radio Free Asia (RFA), num relatório publicado em 2021, que foram encarcerados por funcionários do Partido Comunista Chinês em centros móveis de “lavagem ao cérebro”, concebidos para os fazer renunciar ao cristianismo, onde enfrentaram espancamentos rotineiros, doutrinação e confinamento em celas solitárias.
O cristianismo é legal sob o regime comunista na China apenas sob a Igreja Católica chinesa, dirigida pelo Partido e não pelo Vaticano, e a Igreja Patriótica dos Três-Estados, uma alternativa “protestante” também dirigida pelo Partido Comunista. Muitos cristãos chineses rejeitam ambas as opções, pois o Partido não permite o culto livre nas suas instituições legais e exige que o clero utilize as suas plataformas para fazer avançar a agenda do regime. Em vez disso, muitos escolhem o que é referido como “igrejas domiciliárias” – adoração ilegal em casas particulares, onde pequenos grupos se reúnem para estudar a Bíblia e orar. Pequim estima oficialmente que a China é o lar de cerca de 40 milhões de cristãos. Contando os cristãos das “igrejas domiciliárias”, no entanto, grupos independentes e até órgãos de comunicação social chineses acreditam que o número está mais próximo de 100 milhões de pessoas, mais do que o total de membros do Partido Comunista.
Sob o ditador Xi Jinping, o regime tem vindo a implementar uma política a que chama “sinicização”, e que consiste em tornar todas as religiões “mais chinesas”. Isto traduziu-se na construção de centenas de campos de concentração para muçulmanos nas províncias ocidentais da nação, onde enfrentam doutrinação extrema, bem como em detenções em massa de cristãos independentes, budistas tibetanos e praticantes de Falun Gong*. A prisão de pastores cristãos que recusam o controlo comunista tem sido generalizada.
Uma testemunha que se identificou apenas com o pseudónimo Li disse à RFA que tinha sido inicialmente preso numa rusga realizada aos paroquianos na sua igreja em 2018 e libertado sob fiança. Os procuradores pouco tinham contra ele, pelo que caiu sob o controlo não da polícia chinesa, mas do Departamento de Trabalho da Frente Unida, um braço do regime encarregado de fomentar e manter a lealdade ao Partido Comunista.
Li disse ter passado cerca de nove meses numa instalação de tortura “móvel” gerida pelo Departamento de Trabalho da Frente Unida.
“Eles utilizam métodos realmente draconianos. Ameaçam-nos, insultam-nos e intimidam-nos. São funcionários da Frente Unida, homens, mulheres, por vezes não identificados, geralmente à paisana. A polícia faz vista grossa a isto. Temos de aceitar a declaração que eles nos impõem. Se recusarmos, somos vistos como tendo uma atitude negativa e continuamos detidos e a ser regularmente espancados.”
Li acrescentou ainda uma descrição das condições do seu encarceramento:
“Não havia janelas, não havia ventilação e não havia tempo permitido no exterior. Davam-me apenas duas refeições por dia, que eram trazidas para o quarto por uma pessoa designada. Não conseguia dormir; depois de lá ter estado uma semana, a morte começa a parecer melhor do que ficar lá. Bati com a cabeça contra a parede para me auto-flagelar”.
A RFA corroborou a história com o testemunho de um advogado que representa cristãos perseguidos e que afirmou que tanto os cristãos como os praticantes de Falun Gong estavam sujeitos a torturas e lavagens ao cérebro semelhantes. Este advogado descreveu os métodos das autoridades chinesas assim:
“Estes locais de lavagem ao cérebro eram semelhantes aos utilizados com os praticantes de Falun Gong. Depois dos oficiais de assuntos religiosos terem prendido os bispos e padres, eles não perseguiram acusações criminais – apenas os fazem desaparecer, por vezes durante cinco, seis ou mesmo 10 anos. Alguns foram enviados de volta para casa após cinco ou seis anos, e foi assim que as pessoas aprenderam sobre os centros de lavagem ao cérebro – a partir dos seus relatos”.
A comprovada perseguição de cristãos na China compreende tácticas mais brandas, tais como oferecer alimentos e incentivos financeiros aos cristãos mais pobres, na premissa de que substituam as cruzes nas suas casas por iconografia comunista. Mas a tortura e o cometimento de atrocidades sobre os cristãos não é prática incomum de todo. Uma reportagem da revista de direitos humanos Bitter Winter relata que uma mulher acólita da Igreja de Deus Todo-Poderoso, uma seita cristã banida do país, foi sujeita a barbaridades várias, como ser obrigada a permanecer de pé 18 horas por dia.
“No quarto dia, os meus pés ficaram dormentes como chumbo. Quando fui à casa de banho à noite, tive de me mover lentamente com as mãos a apoiar os joelhos no chão. As palmas dos meus pés e as minhas pernas estavam todas negras. Se eu ficasse na casa de banho mais que os três minutos que eles fixaram, deitavam água fria sobre o meu corpo. Como tinha os sapatos sempre molhados, os meus pés inchavam ainda mais, de modo que eu tinha dificuldade em calçar-me”.
A mulher notou que a tortura se intensificou quando resistiu à pressão para assinar uma declaração renunciando ao cristianismo.
No outro extremo do espectro está a pressão que os cristãos que o governo não prende sentem por parte das autoridades locais, particularmente nas zonas rurais onde o regime não implementou anteriormente esforços tão rigorosos para erradicar a fé. Estas tácticas são utilizadas especialmente sobre a minoria de cristãos que se identificam com a Igreja Tri-Patriótica, nominalmente legal.
Um relatório de 2020 revelou que os membros desta Igreja tinham começado a receber visitas no domicilio de oficiais locais do Partido Comunista, pedindo-lhes que removessem todos os sinais da sua fé e os substituíssem por imagens de Xi Jinping ou Mao Tse Tung. Alguns deles perderam o acesso a programas de assistência social, ou receberam ajuda financeira extra em troca da redecoração dos seus lares com iconografia comunista.
Um funcionário do regime disse a a um aldeão cristão em Shandong, no ano passado, referindo-se a Mao e Xi:
“Estes são os deuses maiores. Se queres adorar alguém, adora-os a eles.”
Como o ContraCultura já reportou, o Papa Francisco fez um acordo com as autoridades chinesas em 2018, em que, a troco de nenhum benefício para os católicos chineses e sem qualquer contrapartida sobre direitos civis ou a liberdade religiosa, o Vaticano reconhecia bispos nomeados pelo Partido Comunista Chinês se a selecção fosse, a partir dessa data, feita de forma conjunta entre as duas entidades. O PCC já desrespeitou porém esse acordo. E os cristãos católicos continuam a ser perseguidos ferozmente, perante a total indiferença do actual sumo-pontífice.
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*Falun Gong – Prática espiritual chinesa que combina meditação e exercícios de qigong com uma filosofia moral centrada nos princípios da verdade, compaixão e tolerância
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