Por todas as razões e mais algumas, o Natal é musical. O ContraCultura deixa aqui algumas sugestões, umas mais alternativas que outras, para uma quadra rica em harmonias e melodias e momentos de elevação espiritual que só a música consegue projectar.
Ortodoxos: o poder da tradição
Dada a profundidade e solenidade dos cânticos ortodoxos, esta será talvez a melhor opção para a Consoada.
A tradição do canto litúrgico oriental, que engloba o território de língua grega, desenvolveu-se a partir da capital do império bizantino, Constantinopla, a partir de 330 d.C. É de origem híbrida, tendo como fonte as produções artísticas e técnicas da idade clássica grega e a música vocal monofónica criada nas cidades gregas cristãs de Alexandria, Antioquia e Éfeso. A música bizantina é modal e dependente de um sistema de sons chamado octoeco. O sistema tem origem provavelmente na Jerusalém do século V, com evidente base nos modos gregos clássicos, mas também com possível influência hebraica.
Canto Ortodoxo Cristão “Na Noite Escura” sobre o Nascimento do Nosso Senhor Jesus Cristo . Monges de Svetogorskaya Lavra
Agni Parthene (Virgem Pura) . Canto mariano composto por São Nectarios de Aegina (séc.XIX) . Petros Gaitanos
Clássicos: um Dezembro barroco.
O Natal relaciona-se com o Barroco como a consoada com uma posta alta de bacalhau da Noruega. Uma coisa não vive bem sem a outra. E o melhor é começar pelo princípio: o proto-barroco de um tal de Claudio Monteverdi que, para todos os efeitos, inventou o género. E esta abertura eloquente e cerimonial do Orpheu, podia muito bem servir de banda sonora para a chegada dos Reis Magos ao estábulo do menino Jesus.
L’apertura dell’Orfeo di Claudio Monteverdi . Dal Gran Teatre del Liceu di Barcellona . Maestro Jordi Savall
Outro personagem que faz parte do cenário acústico desta quadra é, claro, o enorme Sebastião, que deve ter sido o mais capaz compositor que Deus colocou, para felicidade e êxtase da sensibilidade auditiva de gerações infindas de seres humanos, à superfície deste belo planeta. Qualquer coisa que Bach tenha escrito é um contributo decisivo para que as festas sejam felizes, mas este bocadinho de veludo melódico é ideal para o momento de abrir presentes. Até porque o próprio Concerto Para Dois Violinos já é uma prenda fabulosa que o kapellmeister teve a gentileza de oferecer à humanidade.
Bach . Concerto Para dois Vioninos em D Menor . Netherlands Bach Society
Quando falamos de clássicos e de Natal, vem logo à conversa o Messiah do senhor George Frideric Handel, talvez a mais bela das oratórias escritas em Inglês (Handel Nasceu na Prussia mas viveu a maior parte da sua vida em Londres) e um marco incontornável do Barroco.O ContraCultura aprecia especialmente o movimento 12 – “For unto us a child is born” – que é neste clip magnificamente coreografado e interpretado.
Ensemble Matheus, Arnold Schoenberg Choir, maestro Jean-Christophe Spinosi, coreógrafo Claus Guth
Contemporâneos: pop no presépio.
Quando a playlist chega ao pop/rock tem geralmente mais liberdade para sair da casca natalícia. Mas ainda assim, começamos por insistir no registo temático com uma melodia lindíssima dos Bear’s Den, muito nostálgica, muito cosy e muito bem trovada, para ouvir enquanto se namora entre a lareira e a árvore de Natal.
Bear’s Den . Christmas, Hopefully
Os The 1975 são uma banda bastante pagã, mas não deixam de produzir preciosidades que caem no mês de Dezembro como morangos no chantilly. Com a vantagem de fazerem desaparecer o cansaço das compras de última hora, a desilusão dos coscorões que não saíram como o ano passado, e a modorra que sempre se instala depois do segundo whisky e da abertura de 42 prendas. A música desta rapaziada não admite o sono, o aborrecimento ou o pessimismo.
The 1975 . It’s Not Living (If It’s Not With You)
As versões acústicas também entram sempre bem numa playlist natalícia. E se o tema original já é romântico e até um bocadinho lamechas, a versão de cordas fica ainda mais adequada à época. É o caso deste tema dos Young the Giant, que é aqui embrulhado num registo de música de câmara. Para ouvir a caminho da Missa do Galo.
Young the Giant – Superposition (In The Open)
E ainda em modo acústico, podemos muito bem chamar ao palco o menino Jesus do punk contemporâneo. Grian Chatten, dos fabulosos Fontaines DC, surge neste clip como um verdadeiro mártir pós-moderno, espécie de figurinha sacrificial do presépio decadente dos nossos tempos.
Fontaines DC . The Couple Across The Way
Depois, quando a santa família já tiver desertado, enquanto se apanha o celofane resgado do chão e um súbito silêncio cai sobre a casa, talvez seja o momento ideal para ouvir algo completamente diferente. Algo completamente eléctrico. Algo completamente épico. Algo que acorde os vizinhos do seu torpor e os anjos da sua piedade. Algo como os Manchester Orchestra, por exemplo.
Manchester Orchestra . “Virgin” 5/12 Letterman
Hibridos: do teclado gimnopédico ao pianinho Charlie Brown.
Para pacificar as crianças, impressionar os sogros, ou acariciar a sensibilidade do primo que tirou o curso do Conservatório, nada como passar um modernista aveludado como Eric Satie.
Eric Satie . Gimnopédie Nº 1 . Played by Rousseau
E há sempre soluções para agradar aos gregos que preferem música clássica e aos troianos que precisam de rock para acalmar os nervos. Um excelente exemplo do melhor de dois mundos acontece quando os ilustres do Capriccio Quartet oferecem uma versão sumptuosa de um do iniciático tema dos Oasis, “Whatever”.
Oasis . Whatever . Played by Capriccio Quartet
E para terminar, um clip que pode ficar a tocar muito tempo, para entretenimento de toda a gente. Nahre Sol comprou um “vintage toy piano” e decidiu avaliar a capacidade de sobrevivência de temas clássicos e contemporâneos ao jugo de duas oitavas apenas. Para além de podermos aqui apreciar como uma pianista virtuosa permanece virtuosa seja qual for o piano que lhe aparecer à frente, o resultado do desafio é delicioso. E surpreendente.
Convenhamos, mais natalício que isto, é difícil.
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