O século XXI virou os fundamentos ideológicos de pernas para o ar. E uma das inversões filosóficas mais evidentes é a do livre arbítrio. Até aqui, enquanto a direita esteve mais inclinada a pensar que um Deus omnipotente e omnipresente invalida ou limita a acção do indivíduo sobre o seu destino, a esquerda acreditou durante séculos no poder supremo da vontade colectiva sobre desígnios insondáveis ou mistérios transcendentes.
Hoje em dia, porém, a esquerda coligou-se com a alta burguesia ateísta e materialista, que procura impingir a dogmática ideia de que o homem não tem qualquer liberdade de escolha, muito simplesmente porque é um escravo das interacções neuronais que acontecem aleatoriamente dentro da sua caixa encefálica. Da mesma forma que não podemos controlar o trânsito intestinal, também não temos como interferir no movimento electro-químico do cérebro e assim, estamos condenados a um outro insondável determinismo: o biológico.
Que ideia horrível. Não admira que o novo humanismo da esquerda seja na verdade um anti-humanismo.
Simetricamente, a direita contemporânea, progressivamente mais libertária e menos determinista, tem vindo a centrar-se filosófica e teologicamente numa ideia de Deus como entidade criadora, que deixa à responsabilidade moral do indivíduo as escolhas – boas ou más – que faz no percurso da sua existência e – logo – o resultado final da ontologia e da antologia humanas.
Assim, o percurso existencial abre-se para as possibilidades da liberdade e da responsabilidade, ganhando importância a estrutura moral do indivíduo.
E se temos dúvidas entre as duas teses, nada como Immanuel Kant para nos lançar no bom caminho. Como o impecável Dinesh D’Souza explica no clip em baixo, o argumento do filósofo de Königsberg em favor do livre arbítrio é muitíssimo simples, muitíssimo claro, e de difícil negação: sendo certo que o juízo moral é inerente ao homem, o livre arbítrio tem que ser uma realidade. Ou melhor: se todos nós oscilamos nas nossas vidas e a cada momento entre o dever e o fazer, é porque temos essa liberdade de escolha. É nesse dilema comportamental, de natureza ética, que reside a prova de que somos seres livres, caso contrário, o dilema não existiria nunca. Em cada acção, há um problema moral. Logo, em cada acção, há liberdade para transformar o destino.
Convenhamos, esta é uma tese bem mais elegante que a dos deterministas.
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