O segundo-tenente Hiroo Onoda, com 22 anos.

 

Hiroo Onoda (1922-2014) mal tinha 18 anos quando se alistou na Infantaria Imperial do Exército Japonês. Na altura, ele era apenas um dos muitos jovens enviados para apoiar o esforço de guerra nipónico. Mas Onoda distinguiu-se de tal forma que se tornou quase um mito: a sua guerra terminou 30 anos depois do fim do conflito no Pacífico. Ainda assim, poucos conhecem a sua história.

Nascido em 1922, o jovem foi rapidamente escolhido para um treino especial dos serviços de inteligência. Aprendeu tácticas de guerrilha, filosofia, história, artes marciais, propaganda e operações secretas. Em 1944, já oficial e quando as forças japonesas estavam a perder a guerra, foi enviado para a ilha de Lubang, 150 km a sudoeste de Manila, nas Filipinas.

As ordens recebidas pelo segundo-tenente eram claras: defender a ilha e, no caso de se dar uma invasão do território pelas forças americanas, destruir as estruturas que pudessem ser utilizadas pelo inimigo. O oficial tinha ordens claras: em última análise, que acabasse com a própria vida, sendo que a rendição estava fora de questão. Em 2010, Onoda explicou que entendeu esse comando com naturalidade:

“Era um oficial e recebi uma ordem. Se não a pudesse cumprir, sentiria vergonha. Sou muito competitivo.”

E de facto, este conjunto de ordens militares tornaram-se na força motriz de Onoda, que se envolveu-se numa guerra de guerrilha que durou três décadas.

Em 1945 e 1946, de forma a informar os soldados entrincheirados nas selvas das ilhas do Pacífico que podiam agora regressar a casa porque a guerra tinha terminado, aviões americanos e japoneses largaram milhares de panfletos nesses territórios. Mas Onoda recusou-se a acreditar nas mensagens. Lia nelas um ardil propagandista dos serviços de inteligência do inimigo, destinado a capturar os soldados japoneses sem recurso ao combate, pelo que continuou a viver segundo as mesmas regras e nunca se rendeu:

“Os panfletos que eles deixaram cair estavam cheios de erros, por isso julguei que era propaganda dos americanos.”

Juntamente com três outros soldados, Onoda continuou a travar a sua guerra. Sobreviveram à base de bananas, cocos e arroz que roubavam aos agricultores locais. De vez em quando, conseguiam capturar gado e assim manter uma reserva de carne salgada. Mataram 30 habitantes da ilha ao longo dos anos e foram escapando à perseguição de polícias e militares.

Em 1950, um dos soldados de Onoda, Yuichi Akatsu, rendeu-se às forças filipinas. Onoda pensou, correctamente, que essa rendição aumentava as hipóteses de ser localizado e preso ou morto, pelo que se tornou ainda mais cauteloso.

Outro dos soldados, Shōichi Shimada, foi morto a tiro em 1954 por agentes da polícia da ilha. 18 anos depois, Kinshichi Kozuka, o seu último e fiel aliado, foi também baleado pela polícia local. Cada incidente cimentou ainda mais a ideia de Onoda de que a guerra continuava.

Durante 29 anos, Onoda permaneceu na selva, vivendo em cavernas subterrâneas e continuando a operar de acordo com a sua missão, recolhendo informações sobre movimentos inimigos. Durante os dois últimos anos da sua guerra, esteve sozinho na selva.

Onoda mostrou características raras no mundo moderno e ainda mais raras na esfera ocidental, mas que constituem a massa de que é feito um bom soldado: fidelidade, ascetismo, vontade férrea, obediência e capacidade de sacrifício. Além disso, as competências que aprendeu no seu treino militar acabaram por se revelar críticas para a sua resiliência que mostrou, num ambiente deveras hostil.

“Todo o oficial japonês está preparado para a morte, mas como oficial dos serviços secretos a prioridade era manter-me vivo de forma a conduzir uma guerra de guerrilha.”

Onoda foi oficialmente declarado morto em 1959, mas um estudante japonês, Norio Suzuki, suspeitou que o oficial ainda estava vivo. Em 1974 iniciou a tarefa de localizar o soldado desaparecido. Por incrível que pareça, conseguiu encontrar Onoda apenas quatro dias depois de ter iniciado a sua demanda.

 

9 de Março de 1974: Hirro Onoda, acompanhado pelo major Yoshimi Taniguchi, abandona a selva onde permaneceu durante 30 anos.

 

Suzuki e Onoda estabeleceram uma relação de confiança de forma quase imediata, mas o oficial disse ao estudante que só se renderia depois de receber ordens oficiais. Suzuki regressou então ao Japão com fotografias que comprovavam a sua descoberta nas Filipinas e contactou o Major Yoshimi Taniguchi, que tinha recrutado e treinado Onoda, para que o ajudasse a resgatar o soldado que ainda combatia a II Guerra Mundial.

Na primavera seguinte, Suzuki regressou com Taniguchi, que oficialmente libertou Onoda da sua missão. Quando o guerrilheiro emergiu da floresta, vinha rigorosamente fardado e em sua posse estavam uma espada, uma espingarda Arisaka 99 em estado operacional, 500 munições, várias granadas de mão e o punhal que a sua mãe lhe tinha dado em 1944 para se matar, no caso de ser capturado.

O Major Yoshimi Taniguchi tinha prometido ao jovem Hiroo Onoda antes deste partir para a sua missão em Lubang que:

“Pode levar três anos, pode levar cinco, mas aconteça o que acontecer não te vamos abandonar. “

Fiel à sua palavra, Taniguchi acabou mesmo por resgatar com vida o seu operacional. E apesar do Japão se ter rendido em 1945, para todos os efeitos, técnicos e simbólicos, Hiroo Onoda foi o único soldado japonês que sobreviveu à guerra sem se ter rendido.

Indultado pelo então Presidente Marcos das Filipinas pelos crimes cometidos enquanto acreditava que estava em guerra, Onoda regressou ao Japão ainda em 1974, aos 52 anos de idade, vestindo o seu velho uniforme Imperial. A sua família, que pensava que ele estava morto, viu-o pela primeira vez desde que ele tinha 22 anos.

O Japão era agora um estado moderno, ocidentalizado e irreconhecível. Onoda lutou para se adaptar. Um ano após o seu regresso, mudou-se para uma colónia japonesa em São Paulo. Lá conheceu uma compatriota, com quem casou. Até à sua morte em 2014, o casal viveu intermitentemente em ambos os países.

Quando lhe perguntaram em 1974 qual foi a sua motivação para sobreviver, nas condições mais difíceis que se possam imaginar, durante aqueles 29 anos na selva, Onoda disse simplesmente:

“Nada mais do que cumprir o meu dever”.

No Japão ou seja onde for: ainda há homens destes?