Ingratidão, ambição e ilusionismo.
“Podem estar certos de que os americanos vão cometer todos as asneiras imagináveis, mais aquelas que estão para além da imaginação.”
Charles de Gaulle
No seu infeliz discurso do centenário do Armistício, em 2018, Emmanuel Macron afirmou que a Europa precisa de um exército para se defender da Rússia, da China e… Dos Estados Unidos.
A ingratidão dos franceses em relação aos aliados das duas grandes guerras é lendária e diz muito de um povo que foi, nos dois conflitos, incapaz de se defender por si mesmo. Num outro infeliz discurso, este com quase 80 anos, o da libertação de Paris, de Gaulle foi incapaz de uma palavra de agradecimento aos ingleses e americanos que na verdade foram os primeiros responsáveis pela retirada dos nazis.
Mesmo assim, as declarações do actual presidente francês, para além de evocarem um gaulismo passadista e freudiano, são de uma desfaçatez inacreditável. Um exército europeu é uma ideia completamente irrealista e, na verdade, altamente desaconselhável. Os estados constituintes da União Europeia não partilham todos dos mesmos aliados naturais e históricos nem dos mesmos interesses estratégicos. Imaginem o que seria um corpo militar com gregos e cipriotas, húngaros e croatas, romenos e checos, polacos e alemães. A capacidade operacional desta força militar localizar-se-ia perto do zero absoluto. Mas mesmo que assim não fosse, seria um exército europeu capaz de travar combate contra forças bélicas exponencialmente superiores como as das 3 potências que Macron indica? Sem a ajuda dos Estados Unidos, poderia a Europa mobilizar recursos humanos tecnológicos e capitais para fazer frente a uma agressão russa ou chinesa? É claro que não.
A única intenção de Macron, no momento em que proferiu estas disparatadas palavras, foi a de mostrar hostilidade para com aquele que era à altura o inquilino da Casa Branca. A ideia era retaliar contra Donald Trump porque este pôs em causa a utilidade da NATO e acusou os custos que a organização representa para a tesouraria americana. Mas a afirmação de que a Europa deverá encarar os Estados Unidos como um inimigo não ajuda nada à estabilidade da Aliança do Atlântico Norte. Mais a mais, os franceses devem muito dinheiro a esta organização. Se Macron achava que a Europa estava desprotegida, se calhar devia ter pago o que devia e confiar na história: aliados desde os seus momentos fundacionais, franceses e americanos têm tudo a ganhar na permanência dessa aliança. Têm muito a perder, especialmente os franceses, se se encararem como inimigos.
No recente imbróglio em que a União Europeia se enfiou com a NATO, agora sobre a influência de um outro presidente americano, a propósito da questão da Ucrânia, ficou mais que nítido que as ambições napoleónicas do actual residente do Eliseu são tão ridículas como inócuas. Dependente da energia russa, a Europa não teria qualquer trunfo em mãos, não fora o poder militar da Aliança Atlântica.
Emannuel Macron sabe tudo isto de cor e salteado, claro. Mas a política contemporânea, na Europa, não é feita sobre aquilo que se sabe que é verdade. É feita sobre as mentiras que funcionam. O problema é que a mentira funciona a curto prazo. Não se pode mentir durante muito tempo e esperar que as pessoas continuem a acreditar na falácia. E é por isso que o actual Presidente da República Francesa, no mesmo momento carregado de ironia em que se coloca em bicos dos pés para surgir como o grande líder europeu, não passa de uma figura transitória, fraca, ideologicamente deficitária, cujo índice de popularidade no seu país, quando discursava em 2018, estava abaixo até do que os franceses pensavam de… Donald Trump.
Nacionalismo, patriotismo e outros sinónimos da civilização que Macron não entende.
“Pelo Rei, recorrentemente. Pela Pátria, sempre.”
Jean Baptiste Colbert
Outra das intempestivas e bizarras afirmações públicas de Emmanuel Macron foi a de que patriotismo é o exacto oposto de nacionalismo, e que o nacionalismo é algo de draconiano e civilizacionalmente explosivo. Esta tese merece uma análise crítica:
a) Os termos nacionalismo e patriotismo significam exactamente a mesma coisa, até no progressista diccionário do Google. Aconteceu sim que o termo Nacionalismo foi encostado pelo bem pensar da esquerda a um certo modo de ser patriota: o fascista. Mas a intenção é falaciosa, claro. O socialismo também já foi nacionalista, com Hitler. O comunismo foi internacionalista com Lenine e nacionalista com Estaline. Nos dias que correm o liberalismo é globalista, anti-nacionalista e… totalitário.
b) A globalização liberal trans-nacionalista que é oposta ao perigoso nacionalismo de que fala Macron, é entendida como uma fragilidade pela potências orientais e capitalizada económica e culturalmente pela China e pela Rússia, que pretendem precisamente reforçar o espírito nacionalista que preside à filosofia e à práxis dos respectivos regimes. Neste sentido, a posição globalista de Macron serve, às mil maravilhas, os interesses das potências nacionalistas.
c) Macron não deve saber muito da história do seu próprio país, caso contrário tinha sido mais cauteloso. Todo o glorioso iluminismo francês é fundado e subsidiado pela economia de Colbert, que é radicalmente mercantilista, logo protectora dogmática dos interesses nacionais.
d) Ao contrário do que indicam os receios do presidente francês, o nacionalismo tem sido um poderoso motor civilizacional que tem actuado com sucesso contra uma força bárbara e essa sim perigosíssima: o tribalismo.
e) Aliás, as nações do mundo foram criadas na sua generalidade por duas ordens de razões: a primeira, para determinar território tributável que alimentasse a lógica imperialista das monarquias. A segunda, para efectivamente separar povos distintos, respeitando a natural tendência repulsiva entre culturas diferentes que é própria da condição humana e reduzindo a predisposição para o conflito. A invenção e constituição das nações – grupos coerentes de povos que partilham, num determinado perímetro geográfico, a mesma história, a mesma língua, a mesma cultura, a mesma religião e uma plataforma genética comum – constitui a mais bem sucedida solução para o problema tribal já inventada e tem sido assim uma força efectiva de ordem sobre o caos.
f) A República a que Macron desastradamente preside é um país com uma grande e rica história de nacionalismos. De Luís XIV a De Gaulle, de Robespierre a Miterrand, de Carlos Magno a Napoleão, todos decerto concordariam que um dos princípios fundamentais do exercício do poder político em França é o da defesa dos interesses dos franceses. E defender os interesses dos franceses foi muito frequentemente defendê-los contra alguém. Contra outras nações, como a Inglaterra, a Alemanha, a Prússia ou a Itália. Mas também contra ameaças internacionalistas de foro interno, como os huguenotes, os habsburgos, os jacobinos, os judeus ou os colaboracionistas.
Emmanuel Macron perdeu assim uma excelente, uma solene ocasião para estar calado. Até porque, aqui entre nós, um presidente que diz publicamente aos eleitores franceses que não é um nacionalista, arrisca-se a perder o seu apoio. E apesar de ter saído vencedor das recentes eleições presidenciais, essa vitória só foi possível com o apoio unânime de forças radicais de esquerda que rapidamente o levariam à guilhotina, se a oportunidade histórica surgisse.
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