
“Onde quer que eu passe, a erva jamais aí irá crescer.”
Átila, o Huno.
451 D. C. – Depois de infligir graves derrotas e submeter a tributo os imperadores de Toma e de Constantinopla, Átila (406-453) e o seu terrível exército de 50.000 hunos atravessa a Germânia como se nada fosse e devasta a Gália, com o intuito de aí criar um domínio para o seu povo. O império romano está entre a espada e a agonia e Valentiniano – cauteloso e sábio césar – convoca Flávio Aécio, o seu melhor general, para travar um dos combates militares mais dramáticos e intensos da antiguidade e salvar o mundo civilizado.
Aécio passara anos nos balcãs a treinar estes mesmos hunos e teve frequentemente em Átila um poderoso aliado contra as hordas visigodas. Foi aliás pelas inúmeras batalhas que travou em nome do império, que Átila pensava ser o único rei do seu tempo com legitimidade para herdar – ou roubar – a púrpura romana.
Genial estratega na melhor tradição dos grandes líderes militares romanos, Aécio percebe rapidamente que as suas legiões se encontram em desvantagem anímica e numérica e recorre de imediato à implementação de uma estratégia diplomática que envergonharia Francis Dracon, convencendo os Visigodos de Teodoro e os Francos de Meroveu (sim, o patriarca da dinastia merovíngia) a assumirem uma aliança com o santo império, enormidade trágica que haviam de pagar em sangue abundante nos Campos Cataláunicos.

Numa monumental orgia de violência e crueldade – 60.000 mortos em menos de 48 horas – decide-se o futuro do Ocidente. Apesar da mortandade assolar os dois lados da contenda, Aécio acaba por dominar a situação, mas de forma a restabelecer o frágil equilíbrio das fronteiras do norte – e seguindo o venerando conselho de Sun Tzu que acautelava para os perigos de encurralar um inimigo, deixando-o sem fuga possível – permite que Átila se escape, levando consigo o que restava do seu exército.
Como vigoroso bárbaro e obstinado conquistador que era, Átila recupera num ápice e dirige-se para Itália logo no ano seguinte. Arrasa Aquileia, Milão e Pavia e detém-se às portas de Roma para reorganizar as tropas: o trono dos césares está finalmente ao seu alcance.

É então que acontece um dos mais inconcebíveis e inexplicáveis eventos da história da diplomacia. O Papa Leão, o Grande, dirige-se ao aquartelamento do Rei Huno e consegue o prodigioso feito de convencer Átila a abandonar as suas intenções de conquista e usurpação e a retirar-se – como um magnífico cordeiro no melhor rebanho de Cristo – da Península Itálica.
Considerando que o Vaticano não possuía à altura algo que se assemelhasse a um exército, que este Papa tinha anteriormente atribuído a Átila a elogiosa alcunha de “Flagelo de Deus” e que nada impedia o Rei Huno de muito simplesmente o mandar cozinhar para banquete da soldadesca, a circunstância ganha estatuto lendário.
Muito rapidamente, espalha-se a notícia de que S. Pedro e S. Paulo teriam aparecido, armados de espadas, durante a conferência, aterrorizando o rei huno. Escreve-se hoje que Átila tinha motivações bem mais prosaicas para fugir de Roma. Por exemplo: por medos de uma epidemia. Seja como for, o bárbaro invasor retira-se para Panónia, nas margens do Danúbio, onde acaba por morrer, vitimado pela ressaca de uma bebedeira épica (facto).

Com o seu desaparecimento, o reino dos Hunos desintegra-se definitivamente. Mas fica, ao menos, esta muito útil lição de que os impérios fazem-se e defendem-se assim: Arriscando ousadias, inventando alianças, traindo acordos, usando a diplomacia, também, mas sobretudo: pelejando deveras.
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