Baseado no romance homónimo de Norman Lebrecht, “The Song of Names” é um raro objecto cinematográfico, considerando o contexto actual da sétima arte. Não tem super-heróis transexuais da Marvel, não quer mudar o mundo com justiça social feita ao minuto, não pretende impressionar adolescentes ou namorar o ateísmo crónico dos críticos. Muito pelo contrário.

A história é gerada a propósito da loucura anti-semita dos nazis, mas não abusa do lugar comum. É protagonizada por um virtuoso do violino, mas não nos agride com o pedantismo erudito. É um filme sobre o sofrimento humano que consegue fugir à tentação da lágrima fácil. “The Song of Names” é essencialmente a odisseia de uma amizade fraterna, insistente, difícil, que luta contra a crueldade, a morte e a traição, no contexto de um século de horrores.

A fé judaico-cristã é, surpreendentemente, tratada como substância universal, inerente à condição humana; entrega espiritual que funciona como caminho redentor, tanto como a música ou mais que isso.

Enquanto a arte do violino fortalece o indivíduo, enquanto a canção é tributo e mnemónica dos nomes daqueles que se perderam no inferno dos campos de extermínio, a transcendência monoteísta mergulha o singular no plural, serviço colectivo e experiência mística de Destino.

E se, confrontados com a desesperança de uma vida de perdas e angústias e torturas sartrianas, desistimos de Deus, não é nesse abandono que encontramos consolo ou sentido. Será talvez pertinente especular que a religião é o casaco que reveste o corpo étnico. Mas não é por o despires no verão que vais passar bem sem ele no inverno.

Graças a um notável trabalho de direcção de actores, Tim Roth e Clive Owen apresentam-se no nível máximo de competência que lhes é tecnicamente possível (nem um nem outro são propriamente actores que consigam ultrapassar os seus próprios e típicos maneirismos para atingirem níveis performativos do género olímpico), a fotografia é excelente, o ambiente cenográfico é rigoroso e realista e a realização, a cargo de François Girard, é refrescantemente sóbria (interessada sobretudo – e bem – em contar a história).

Uma fita intemporal, honesta e verdadeiramente bela, para ver na Netflix.