Porque as indústrias de entretenimento ocidentais foram transformadas em fábricas de propaganda neo-marxista e politicamente correcta, que debitam toneladas diárias de conteúdos aborrecidos, repetitivos, medíocres, deprimentes, estéreis e extremamente irritantes, O ContraCultura recomenda uma outra sede de produção televisiva e cinematográfica: a Coreia do Sul.

Abundante, criativo e para-ideológico, o filão coreano de sagas históricas e contemporâneas, que primam pelo impulso épico (e correspondente generosidade de recursos), irrepreensível qualidade de produção, exuberância cenográfica, intensidade emocional, inesgotável vitalidade e impecável direcção de actores, constitui uma séria alternativa às xaropadas convencionais com que os canais de cinema e séries intoxicam a sensibilidade colectiva.

As produções coreanas não têm medo do belo. Não recusam o imaginário clássico. Não rejeitam o apelo romântico. São filosoficamente liberais, são abertamente dialécticas, mas não entram nos horrores das políticas de identidade e do relativismo moral e sabem separar bons e maus valores, definir o herói e retratar o vilão, estabelecer o lugar do homem e o papel da mulher, distinguir as lógicas de poder das teias da corrupção e nunca caem na tentação de atribuir qualidades ou defeitos a personagens em função da sua nacionalidade, cor da pele, estatuto social ou preferência sexual. Em síntese: as séries coreanas não são pós-modernas.

Acresce que manifestam, sempre e sem excepção, um pudor no que diz respeito à nudez e à intimidade romântica entre os personagens que é absolutamente balsâmico. Podemos consumir dezenas de episódios de uma série coreana sem que os protagonistas troquem mais que um ou dois beijos. Não há cenas de sexo explícito ou implícito. Não há nudez. Há apenas beleza. Elegância. Recato. Esta ética não diminui, claro, a intensidade romântica e até mesmo, em certos casos, erótica do produto final. Muito pelo contrário. As histórias de amor coreanas são poderosas e emocionantes como as novelas passionais de Hollywood não conseguem ser, já há muitas décadas.

A este propósito, há que realçar um facto: dada a quantidade de actores e actrizes extremamente bem parecidos que a sua indústria audio-visual consegue lançar, chegamos facilmente à conclusão que a Coreia do Sul é um país de gente bonita. E de gente educada. A forma como, nas produções sobre temas actuais, as pessoas se cumprimentam e se relacionam, bem como as causas que defendem os heróis das histórias, revela a civilidade social e o bom entendimento da razão moral que imperam na nação. Não por acaso, descobrimos que os valores cristãos são muito populares junto dos coreanos, que foram, logo desde a sua fundação, bastante influenciados pelas igrejas ocidentais.

O que se diz do sexo, pode também ser dito das cenas de acção. Ferve porrada na maior parte destas produções, mas nunca de forma gratuita. A violência não é usada pela sua espectacularidade pueril, mas pela sua justificação moral. O sangue não escorre gratuitamente e a sua exibição é cuidadosamente estudada de forma a ser consistente com a narrativa. As séries sobre temas actuais são mais violentas do que as históricas, mas podemos sempre contar com coreografias de qualidade superior, mesmo em relação ao que é feito em Hollywood. Sejam sequências de grandes batalhas ou duelos individuais, o engenho técnico empregue na acção resulta em cenas absolutamente estonteantes e altamente realistas, que espantam pela ambição e pelos meios colocados ao serviço da cinematografia.

 


Mr. Sunshine . Netflix

 

Nos tempos que correm, o que se paga pela assinatura da Netflix vale quase exclusivamente por algumas produções coreanas que estão disponíveis no serviço. Mas como a Netflix é aquilo que é, também obriga a indústria asiática ao fabrico de horrores, que noutras plataformas de streaming de produções coreanas, como a SBS Drama Cool, são inexistentes. Assim sendo, deixamos algumas recomendações para que a navegação seja direcionada à qualidade do legado coreano e não à desconstrução idiota e politicamente correcta da agência de propaganda de Silicon Valley.

“Mr. Sunshine”, uma lindíssima novela romântica passada no Século XIX, E “Stranger”, um thriller sobre a corrupção dos contemporâneos sistemas de poder no país, funcionam como excelentes introduções à estética e à ética das série coreanas.

 


Stranger . Netflix

 

Mas há, neste onírico universo asiático,  conteúdos para todos os gostos. “Vagabond”, por exemplo, é uma intrincada e vertiginosa história de espionagem, cuja intriga se estende pela geografia global (Lisboa, inclusivamente).

 


Vagabond . Netflix

 

E para abrirmos uma excepção à Netflix, “Six Flying Dragons” (ou “Roots of The Throne”, na versão para consumo ocidental), é um magnífico fresco sobre a história da fundação do reino de Joseon, que deu origem à nação Coreana. São cinquenta episódios de uma hora cada que deslumbram os sentidos, entretêm a sensibilidade e elevam o espírito como poucos produtos televisivos. A série é conceptualmente ambiciosa, explorando dialecticamente questões fundamentais de disciplinas tão diversas como a Ciência Política, a Psicologia Social e a História. Mais a mais, está disponível, com qualidade técnica, no Youtube.

 


Six Flying Dragons . SBS DramaCool (disponível no Youtube em full HD com legendas em inglês)

 

Mas se o gentil leitor prefere séries policiais carregadinhas de acção e emoção, esplendidamente coreografadas e de suspense intenso e sabiamente gerido, recomenda-se que experimente “My Name”; uma brutal e pungente história de lealdade, vingança e redenção, muitíssimo bem orquestrada e ainda melhor filmada por Kim Jin-min. A personagem central desta série, interpretada por Han So-hee, vai ficar para os anais do provérbio “antes quebrar que torcer”.

 


My Name . Netflix

 

E se, por arrivismo estético, o espectador ainda guarda paciência para o imaginário zombie, está com uma sorte que é difícil de acreditar que seja só sorte e que não seja mesmo destino: “All of Us Are Dead” é capaz de ser a melhor série que alguma vez foi feita por cima desse apocalíptico contexto. Se os primeiros minutos do episódio inicial podem indicar, ao contrário do que este texto promete, que se trata só de mais um subproduto do estafado imaginário dos mortos vivos que querem ser vampiros quando forem grandes, produção direccionada a adolescentes privados do necessário controlo parental, o ContraCultura recomenda a insistência. Vivamente.

 


All Of Us Are Dead . Netflix

 

O argumento tem por base semântica um webtooon da Naver – uma rede social coreana – e como fundamento estético a sinóptica ambição de embrulhar a Manga com a Marvel, “The Walking Dead” com “Squid Game”; ou até “Sei o que fizeste no Verão passado” com “Deliverance”.

Os diálogos desta série são das coisas mais bem escritas que alguém redigiu desde que o pós-modernismo woke tomou conta da cultura global. Há momentos absolutamente arrepiantes nesta produção que nenhuma série de zombies na verdade ousou filmar, ao ponto do espectador deixar de pensar que está a ver só mais uma série da Netflix, para começar a perceber que está a testemunhar o desenvolvimento de uma obra de pop art.

Seja como for, é muito consolador saber que ainda há povos que vivem de acordo com referências civilizacionais saudáveis, parâmetros estéticos objectivos e modelos éticos que têm por base tradições ancestrais que demonstraram ser válidas através dos tempos. Esse bom conservadorismo que, lamentavelmente, foi aniquilado no Ocidente.