O Universo está aí para ser conquistado. E o espírito humano tem fome de conquistas. O problema é que o seu corpo não foi feito para escapar ao ecossistema que o pariu. E se é boa e bonita e pertinente a ideia de distribuirmos por duas geografias planetárias o peso da responsabilidade da sobrevivência da espécie, nada nos garante que as coisas corram melhor lá do que estão a correr aqui. Não é?

Tanto mais que a SpaceX de Elon Musk, motor primeiro do entusiasmo marciano, nunca explicou como é que vai reduzir os custos da aventura em cinco milhões de vezes, como afirma que é necessário para que o projecto seja viável. Nunca explicou como tenciona proteger os astronautas da radiação com que vão ser atingidos durante as viagens. Nunca explicou como é que vai criar energia e inventar as estruturas para proteger os colonos das temperaturas extremas do planeta e para criar ambientes pressurizados e ricos em oxigénio onde eles possam viver. Nunca explicou como é que vai alimentar esta gente toda. Como é que vai ter água para dar de beber a esta gente toda. Nunca explicou como é que esta gente toda vai procriar ou sequer sobreviver num ambiente super hostil e com pressões gravíticas radicalmente diferentes das que existem na Terra (ninguém sabe ao certo como se desenrolará um parto num planeta que exerce um terço da pressão gravítica da Terra). Nunca explicou como é que vai conseguir lançar mais de mil missões em cerca de 60 anos. Nunca explicou onde é que vai arranjar o diabo do dinheiro para tudo isto, sendo que esta será, de longe, a mais cara iniciativa da história da humanidade e sendo que nem sequer se percebe quais as riquezas que o planeta oferece para justificar o investimento.

O único trunfo que a SpaceX tem na sua especulativa manga é o facto de ter um foguetão que é capaz de sair da atmosfera e entrar outra vez na atmosfera para voltar a sair dela e regressar outra vez e assim sucessivamente até que entretanto alguma coisa corra mal. O foguetão reutilizável é uma boa ideia. Mas não resolve grande coisa para quem pense em abrir uma agência de viagens que venda fins de semana nas montanhas rochosas do Planeta Vermelho. E não resolve mesmo nada se a ambição de Musk for sincera: a colonização massiva de Marte no espaço de um século.

Numa das suas mais bem sucedidas criações, obra digna do imaginário marciano, Exurb1a faz uma espécie de homenagem póstuma aos heróis do futuro que também é um aviso aos aventureiros de gabardina. Neste céptico recado aos crédulos, elogio das aspirações mais patéticas, porém gloriosas, e dos fracassos mais rotundos, ainda assim transcendentes, que o símio Sapiens desenvolve pelo trágico-cómico percurso da existência, conseguimos milagrosamente descortinar um vestígio, frágil e minimal, de esperança.

Cinco estrelas.