“Enquanto pretexto, a Covid sumirá não tarda. Infelizmente, o seu legado de trevas vai reaparecer a cada brecha: a supressão da dissidência não é reversível a breve prazo. A contracultura morreu. E a cultura mete medo.”
Alberto Gonçalves . A Covid matou as estrelas da rádio . Observador
É verdade que a cultura actual é confortavelmente dominada pela esquerda globalista e sua volição autoritária. É verdade que a contracultura é, nos invertidos tempos que correm, um imaginário da direita cristã, populista e libertária, e assim sendo pode parecer morta, porque é manietada e obliterada de todas as formas possíveis e imagináveis. Mas, se nos abstrairmos da realidade mediática portuguesa, onde de facto escasseiam as vozes dissidentes, não é assim tão evidente que a produção contracultural esteja defunta.
Mesmo no âmbito do entretenimento mainstream, podemos encontrar um novo punk rock, como em 2020 observámos com “Joker”, o manifesto desalinhado de Todd Phillips. E como observamos quotidianamente no Kdrama, ressurreição da televisão romântica, púdica e virtuosa; na arte do meme, que foi raptada por evangelistas devotos e libertários da Segunda Emenda; em certos canais dos servidores de conteúdos vídeo da web, em portais de jornalismo clandestino como o Substack e em nichos mais obscuros do diálogo digital, que se encontram no Reddit ou no 4chan.
Ademais, parece escapar ao atento Alberto Gonçalves que a contracultura de há 40 ou 50 anos atrás tem pouco em comum com a actual. Em certo sentido podemos até afirmar que a valorização da família ou da tradição judaico-cristã faz parte do novo ideário contracultural, por exemplo. Robert Barron, Um bispo que difunde as suas homilias no Youtube é hoje uma figura alienígena como Johnny Rotten, Dennis Prager, um sénior que disserta, sentado à lareira, sobre as virtudes da tradição judaico-cristã, é esquisito como Ian Curtis, Joe Rogan, um ex-lutador que mudou de carreira para encetar maratonas dialécticas com dissidentes regimentais e renegados do sistema, é um herói psicadélico como Andy Warhol.
Quando James Tour explica que a biologia contemporânea está obrigada a considerar que não há vida sem um acto criador, o carismático nano-engenheiro doutorado em Standford passa rapidamente a ganhar o estatuto de Sid Vicious do planeta académico.
Michel Houellebecq é uma espécie de Sartre do Século XXI. Jordan B. Peterson é o novo profeta que vai desmantelar a Matrix. Matt Walsh, rei do trolling, que sendo adversário militante das políticas de identidade e de género consegue escrever um conto infantil que na Amazon encabeçou a lista de vendas de livros LGBT; Andrew Lawrence, o comediante inglês que foi arruinado por se atrever a ridicularizar os ideários do regime woke; Paul Joseph Watson, o lutador da arena mediática que é odiado por toda a gente que ocupe um lugar de poder nas instituições britânicas, e muitos outros renegados como estes, perfazem um universo clandestino de agitadores e marginais, panfletárias formas humanas de produzir cultura alternativa.
Nas artes audiovisuais, o Daily Wire está a tentar fazer frente ao domínio cultural de Hollywwod e de Silicon Valley, produzindo longas metragens, documentários e conteúdo editorial específico para públicos conservadores; criadores independentes, como Kane Pixels ou Leonardo of Biz, que tiram partido do largo alcance mediático dos servidores de conteúdos vídeo como o Youtube, o Rumble e o Bitchute, e das novas tecnologias de modelação e renderização digital, apresentam já sofisticadas produções, de engenharia criativa radicalmente diferente do que fazem os grandes estúdios de produção e que são avidamente consumidas por milhões de pessoas, a nível global.
Cartoonistas como o genial e bravo Bob Moran, levam a sátira para fora da órbita do politicamente correcto e do uníssono bem pensante das tiras que são publicadas nos meios de comunicação social convencionais. Websites satíricos, desavindos com os poderes instituídos, como o Babylon Bee, conseguem marcar a agenda da discussão política nos Estados Unidos. Ensaístas como Alexander McKechnie ou como os redactores do Academy of Ideas abrem caminhos para a reflexão que transcende os ditames estéreis do pós-modernismo. Plataformas de divulgação científica como o Discovery Science criam objectos documentais que deixam envergonhadas as máquinas de aborrecimento e vulgaridade que nos servem por cabo em canais como o Odisseia, o National Geographic Channel e o Canal de História.
Todos, ou quase todos, estes agentes da dissidência cultural partilham porém uma vontade de regresso. Enquanto os movimentos contraculturais do anos 60 e 70 e 80 procuravam a vanguarda, numa tentativa tipicamente progressista de acelerar o tempo, os actuais procuram a retaguarda, num esforço conservador para travar a marcha da história.
E porque a marcha da história parece ter como destino mais um ciclo totalitário, a contracultura do século XXI define-se como uma proposta de retorno às liberdades sagradas e individuais, aos costumes de base antropológica ou constitucional, aos credos e aos valores morais de uma era que se perdeu, numa viagem retro que terá os seus problemas epistemológicos, claro, mas que se entende como uma reacção, no sentido político da palavra.
Alberto Gonçalves está certo em muito do que escreve no artigo de que cito a conclusão. Mas precisa de mergulhar mais fundo para chegar à realidade submersa, mas plena de vitalidade, que afirma extinta.
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